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Racha interno da UDV mostra que religião e política não podem ser separadas

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El Dr. Glauber Loures de Assis es Doctor en Sociología por la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG) e Investigador Asociado del Grupo Interdisciplinario de Estudios Psicoactivos (NEIP) en Brasil. Sus principales intereses incluyen las religiones ayahuasqueras, los nuevos movimientos religiosos, la internacionalización de las religiones brasileñas, el uso de drogas en la sociedad contemporánea y la paternidad psicodélica. Es autor de numerosos artículos y capítulos de libros, y coeditor del libro Women and Psychedelics: Uncovering Invisible Voices (Synergetic Press/Chacruna Institute, en prensa). Glauber es también un practicante de ayahuasca con 15 años de experiencia. Ha construido esta práctica en diálogo con su comunidad local de ayahuasca brasileña y con la bendición de ancianos y activistas indígenas de Brasil. También es el líder de Jornadas de Kura, un centro de medicina vegetal en Brasil. Es padre de 3 hijos y vive con su esposa Jacqueline Rodrigues en Santa Luzia, Minas Gerais, Brasil.

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A Dra. Bia Labate (Beatriz Caiuby Labate) é antropóloga, educadora, autora, palestrante e ativista, comprometida com a proteção de plantas sagradas e com a ampliação das vozes de comunidades marginalizadas no campo da ciência psicodélica. Como antropóloga brasileira queer radicada em São Francisco, ela tem sido profundamente influenciada por suas experiências com a ayahuasca desde 1996. A Dra. Labate é Ph.D. em antropologia social pela Universidade de Campinas (UNICAMP), no Brasil. Seu trabalho se concentra em medicamentos à base de plantas, política de drogas, xamanismo, ritual, religião e justiça social. Ela é diretora executiva do Instituto Chacruna de Plantas Psicodélicas Medicinais e atua como especialista em educação pública e cultura na Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (MAPS). Além disso, ela é Visitante do Centro de Estudos Superiores em Teologia em Berkeley. Além disto, é Consultora da Coalizão de Líderes Veteranos pela Saúde Mental. A Dra. Labate também é co-fundadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos Psicoativos (NEIP) no Brasil e editora de seu site. Ela é autora, coautora e coeditora de 28 livros, três periódicos de edição especial e várias publicações revisadas por pares e on-line (http://www.bialabate.net).

La Dra. Bia Labate (Beatriz Caiuby Labate) es antropóloga, educadora, autora, conferenciante y activista, comprometida con la protección de las plantas sagradas, al tiempo que amplifica las voces de las comunidades marginadas en el campo de la ciencia psicodélica. Como antropóloga queer brasileña afincada en San Francisco, se ha visto profundamente influenciada por sus experiencias con la ayahuasca desde 1996. La Dra. Labate es doctora en antropología social por la Universidad de Campinas (UNICAMP) en Brasil. Su trabajo se centra en las plantas medicinales, la política de drogas, el chamanismo, los rituales, la religión y la justicia social. Es la Directora Ejecutiva del Instituto Chacruna de Plantas Psicodélicas Medicinales y trabaja como Especialista en Educación Pública y Cultura en la Asociación Multidisciplinar de Estudios Psicodélicos (MAPS). Además, es profesora visitante en la Unión Teológica de Posgrado de Berkeley y asesora de la Coalición de Veteranos Líderes en Salud Mental. La Dra. Labate es también cofundadora del Grupo Interdisciplinario de Estudios Psicoactivos (NEIP) en Brasil y editora de su página web. Es autora, coautora y coeditora de 28 libros, tres revistas de edición especial y numerosas publicaciones revisadas por pares y en línea (http://www.bialabate.net).

Nesse fim de semana a comunidade ayahuasqueira brasileira acordou com a notícia de que a União do Vegetal, maior religião ayahuasqueira em número de adeptos, vive uma crise após alguns de seus mais eminentes quadros cobrarem apoio a Bolsonaro e a golpe contra a democracia.  

A notícia, já não tão nova, de uma ala poderosa de membros da UDV vinculados a posturas golpistas e ao bolsonarismo, é impactante, uma vez que a União do Vegetal tem uma história repleta de páginas bonitas. Foi a partir da UDV que foi travada a luta homérica pela liberdade religiosa e pelos direitos fundamentais que culminou na vitória contra o governo dos EUA na Suprema Corte e o direito de consumir o vegetal nas sessões espirituais em todo o território norte-americano, uma das conquistas mais significativas da comunidade ayahuasqueira em todo o mundo.

Essa notícia é impactante também porque a UDV tem um foco bastante pioneiro em ações regenerativas em relação ao meio ambiente no universo ayahuasqueiro, incluindo educação socioambiental, permacultura, agrofloresta, preservação de nascentes, bioconstrução e uma gestão sustentável das plantas que compõem o chá hoasca.  

Como é possível que uma instituição tão luminosa, reconhecida como um exemplo de gestão organizacional, tenha chegado ao ponto de viver um cisma interno por conta de posturas fascistas de alguns de seus mais importantes membros?

Um olhar sociológico um pouco mais detido deixa claro que a crise atual não é uma surpresa fruto do acaso, mas o resultado de posturas gestadas e cultivadas ao longo de vários anos. Há décadas que a União do Vegetal tem adotado um posicionamento consideravelmente sectário no campo ayahuasqueiro, procurando se distinguir dos demais grupos como mais autêntica, verdadeira e séria, e descredibilizar instituições e pessoas que possuem uma perspectiva diferente de sua instituição.

Segundo muitos membros do grupo, muito embora a fundação da União do Vegetal seja posterior à fundação das demais religiões ayahuasqueiras e muitíssimo mais recente que o início do consumo da ayahuasca por povos indígenas e populações ribeirinhas, os usos da ayahuasca em tradições e contextos distintos da União do Vegetal seriam usos ilegítimos, apropriações espúrias dos ensinos da UDV e do Mestre Superior feitas por “mestres de curiosidade”.   

Essa postura sectária também veio acompanhada da dificuldade de lidar com a diversidade e com o acolhimento da pluralidade de condições existenciais das pessoas, juntamente com a promoção de uma vigilância panóptica de seus membros em questões relacionadas à vida afetiva.

Há documentos da UDV e falas de mestres importantes que condenam a homossexualidade, e historicamente pessoas LGBTQIA+ não podem assumir papel de liderança na organização, assim como mulheres não podem ascender à posição de mestre (com a exceção que confirma a regra de Mestre Pequenina, esposa do fundador da religião).  

Tal abordagem, que também via com bastante reserva a realização de pesquisas científicas e o estudo da religião por parte de pessoas que não representassem oficialmente o grupo, foi parte de um projeto expansionista e de busca de reconhecimento institucional perante os poderes constituídos. Com isso, foi promovido um movimento controverso de aproximação com a elite do poder financeiro e político, valorizando em seus quadros pessoas que representam os estratos mais privilegiados da população e flertando com parlamentares a partir de uma agenda que cada vez considerava menos os anseios e necessidades dos demais segmentos e tradições ayahuasqueiros.

Em seu pleito pela patrimonialização da ayahuasca no Brasil, por exemplo, a UDV, juntamente com outros grupos com as quais se articulou, excluiu os povos indígenas e a ICEFLU (maior braço da religião do Santo Daime) do processo.

Tal como um ovo da serpente, essas são escolhas e caminhos institucionais que agora começam a pagar um preço.

Essa postura acabou fugindo do controle da própria burocracia religiosa, tão orgulhosa de sua força institucional, e tornou possível a emergência de movimentos reacionários e antidemocráticos dentro da instituição, com figuras de destaque se articulando abertamente em prol de atos golpistas e de Jair Bolsonaro, como os mestres Monteiro e Luis Felipe Belmonte, que já chegaram a ocupar o cargo de maior prestígio dentro da UDV.  

Articulação essa que invadiu o interior de centros religiosos e até mesmo sessões espíritas, provocando um cisma interno na instituição, que nos últimos 4 anos foi incapaz de frear tais impulsos fascistas e controlar esses membros poderosos.

Paralelamente, a então deputada Jessica Salles, que possui laços com a UDV, tentou tirar da cartola um Projeto de Lei para a legalização da ayahuasca no Brasil, sem nenhum diálogo com outras tradições ayahuasqueiras e, ainda mais grave, sem consulta a quaisquer lideranças dos povos originários, guardiões imemoriais das medicinas da floresta.

Projeto de Lei esse que teve várias reviravoltas, até que foi articulada como relatora a deputada Paula Belmonte, esposa do supracitado financiador da campanha de Bolsonaro Luis Felipe, antes de finalmente ser arquivado após pressão de diversas entidades ayahuasqueiras e lideranças indígenas.

Justiça seja feita: posturas antidemocráticas, autoritárias e fascistas não são exclusividade da UDV, e permeiam também grupos de outras linhas ayahuasqueiras, como o Santo Daime e centros xamânicos e neo-ayahuasqueiros urbanos.

Mas o caso da UDV é o tema da matéria “Religião que usa chá de ayahuasca vive crise após mestres cobrarem apoio a Bolsonaro e a golpe” na Folha de São Paulo, que expõe justamente as dificuldades internas vividas atualmente pela União do Vegetal, deixando claro que em meio à aquisição de prestígio público e às sessões solenes articuladas pela religião na câmara dos deputados, estava sendo chocado também um ovo de serpente.

Uma situação triste, face à bonita e heroica história da União e ao aniversário de seu fundador, nordestino de origem humilde, Mestre Gabriel.

Triste mas também educativa.

E que nos dá a chance de compreender que o campo ayahuasqueiro é também construído por laços sociais, por posicionamentos políticos e pela forma como nos colocamos no mundo e em relação uns aos outros.

Como diz o antropólogo Ronaldo Almeida, religião e política estão imbrincadas, e a religião do bolsonarismo une dividindo “os irmãos”.

Felizmente (e isso é importante ser sublinhado), dentre os membros da União do Vegetal se incluem muitas pessoas que não compactuaram com a guinada à extrema direita de alguns de seus mais importantes quadros, e inclusive tiveram a coragem de publicar uma carta aberta na qual expõem a incompatibilidade do discurso bolsonarista com os princípios cultivados por Mestre Gabriel.

Essa carta, juntamente com a iniciativa de outras pessoas que não se furtaram de se posicionar criticamente em relação à postura golpista de alguns membros da UDV, tem dado força para uma reação no interior da instituição, que recentemente afastou e tirou de posições de destaque alguns de seus membros explicitamente negacionistas e golpistas.

Saudando a iniciativa dessas pessoas que fazem questão de lembrar que a história da União do Vegetal não se confunde com posturas autoritárias e antidemocráticas, esperamos que a atual crise seja uma oportunidade para a UDV retomar firmemente seu compromisso com seus valores de luz, paz e amor, e um convite para que a comunidade ayahuasqueira esteja comprometida com a democracia, o diálogo interreligioso, os direitos e causas dos povos originários e o acolhimento à diversidade.

Nós particularmente tivemos experiências maravilhosas com o Vegetal na UDV, a qual devotamos nosso mais alto respeito. Esperamos inclusive poder voltar, e torcendo para que a atual direção tenha a firmeza e a coragem necessárias para deixar claro seu compromisso com a democracia, o meio ambiente e os direitos humanos.

E que a atual crise possa se transformar em uma boa semente de um amanhã próspero e acolhedor, nessa nobre missão da União do Vegetal de trazer paz ao mundo.  


Arte de Trey Brasher.

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