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Enfrentar a desigualdade e lutar pela justiça social no movimento psicodélico

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Diana Negrín es geógrafa y curadora que desde el 2001 ha llevado a cabo investigaciones etnográficas y de archivo con un enfoque principal en el territorio wixárika del occidente mexicano. Es Directora Asociada de Chacruna Latinoamérica en México.

Um lugar importante onde deveríamos concentrar nossos olhares e nossos pensamentos é na persistente conexão entre essas formas de violência e as políticas transnacionais que moldaram a comercialização e a penalização dos assim chamados narcóticos.

Em abril de 2021, uma governadora do povo Nasa da Colômbia, Sandra Liliana Peña, foi assassinada. Sua morte é evidência da intensificação da violência contra as pessoas que defendem os territórios amazônicos onde as consequências de décadas de políticas de Estado e de mercado continuam sendo sentidas na pele pelo alto número de pessoas afetadas, removidas e assassinadas. Como em tantos outros países de Abya Yala, pertencer a uma comunidade indígena ou preta e ser uma defensora ambiental, demandar justiça, e exercitar a auto determinação com respeito aos territórios, culturas e formas de governança locais é algo que frequentemente vem acompanhado de uma sentença de morte.

Quantos nomes precisam ser lembrados e pronunciados em alto e bom som para que não nos esqueçamos? E quais são os fios condutores que podem nos ajudar a compreender a conexão entre a vida e a morte de Sandra Liliana Peña e Breonna Taylor, uma mulher negra assassinada após uma batida sem aviso prévio em sua casa em Louisville, Kentucky, na noite de 13 de março de 2020? Um lugar importante onde deveríamos concentrar nossos olhares e nossos pensamentos é na persistente conexão entre essas formas de violência e as políticas transnacionais que moldaram a comercialização e a penalização dos assim chamados narcóticos.

Na Colombia, o cultivo e a erradicação da folha de coca não é somente um vestígio do século XX, como os hipopótamos tragicômicos de Pablo Escobar. A guerra às drogas continua a ser vivenciada através da violência direta e indireta promovida por governos e milícias armadas contra pequenos agricultores e membros de comunidades, e através da aplicação aérea de glifosatos, naquilo que parece uma estratégia sem fim de erradicar as plantações de coca. Ainda assim, com tudo isso, a demanda global por cocaína persiste e seu status de substância ilícita tem levado a morte e o encarceramento a muitas famílias que vivem encurraladas nesse economia da morte, tanto no norte como no sul da fronteira entre EUA e México. Essa “Guerra às Drogas” também foi um convite para outras formas de lucro financeiro, o que é mais claramente exemplificado no comércio de armas e no crescimento da demanda por prisões lucrativas privadas. As vítimas, de novo, eram desproporcionalmente pretas, latinxs, indígenas; os “condenados da Terra” sobre os quais o psicólogo revolucionário da Martinica Franz Fanon escreveu.

Ilustração de  Trey Brasher.

Nesse ínterim, há um grande debate ao redor dos Estados Unidos em torno da descriminalização das “plantas sagradas”, ou “enteógenos”. A ayahuasca, ou yagé, os cogumelos psicodélicos e outros enteógenos (incluindo a cannabis) tem se tornado parte da “renascença psicodélica” que está enraizada em processos de cura individual e coletiva baseados em medicinas e sacramentos que são bastante valorizados por povos indígenas ao redor de diferentes regiões do continente. Paralelamente a isso, estudos clínicos tem ganhado visibilidade por demonstrarem a capacidade que plantas e elementos químicos tem no tratamento de depressão, estresse pós-traumático, alcolismo, e até mesmo a dependência de opioides que desencadeou uma onda contínua de mortes no território conhecido hoje como Estados Unidos.

O dinheiro segue com bastante entusiasmo essas descobertas e estudos, como é evidenciado nos investimentos feitos nesse tipo de testes clínicos ou em novas iniciativas farmacêuticas e centros de cura e retiros. Até mesmo o famoso autor Michael Pollan trocou sua inspiração para escrever seus textos, mudando de maçãs e artes culinárias para publicar sobre suas experiências com Bufo alvarius and ayahuasca; ele agora é um dos coordenadores da iniciativa de pesquisa sobre psicodélicos na Universidade da California, Berkeley.

Hoje eu consigo apreciar com muito mais claridade os ecossistemas que formam o mundo dos psicodélicos, e hoje consigo ver com bastante preocupação a distância que existe entre a diversidade de atores e protagonistas que fazem parte desse mundo – isso inclui usuários no Norte Global, assim como curadores de comunidades indígenas e os próprios biomas nos quais essas plantas crescem no Sul Global.

Como alguém que cresceu ouvindo sobre amigos e conhecidos que foram presos ou mortos por causa da criminalização de substâncias psicotrópicas, vejo muitas razões para celebrar uma abertura para a pesquisa e a descriminalização dessas substâncias. Ao mesmo tempo, eu também cresci em um ambiente onde o peiote era considerado uma planta a ser respeitada em seu crescimento lento e admirável, e utilizado a partir de cuidadosas preparações realizadas para seu consumo ritual e que refletem as noções de cuidado e sacrifício. Hoje eu consigo apreciar com muito mais claridade os ecossistemas que formam o mundo dos psicodélicos, e hoje consigo ver com bastante preocupação a distância que existe entre a diversidade de atores e protagonistas que fazem parte desse mundo – isso inclui usuários no Norte Global, assim como curadores de comunidades indígenas e os próprios biomas nos quais essas plantas crescem no Sul Global.

Na primeira Conferência Plantas Sagradas das Américas, que aconteceu em fevereiro de 2018 em Ajijic, Mexico, o Instituto Chacruna conseguiu reunir vários atores chave desse universo, proporcionando a criação de um espaço para compartilhar conhecimento e convidar ao debate. Ao longo dos anos, tem sido realizadas conferências que focam em psicodélicos, mas pela primeira vez quem deu o tom das falas e conduziu a cerimônias de encerramento foram palestrantes indígenas, em suas línguas nativas, inspirados por suas ontologias e epistemologias, unindo a sensibilidade com e um firme alerta ao público sobre o consumo desenfreado e a banalização de suas plantas e cerimônias ancestrais.

Desde então, o Chacruna vem crescentemente procurando dar protagonismo para as vozes de uma diversidade de pessoas e povos que continuam a ser marginalizados nos debates sobre psicodélicos. Esse espaço aberto cada vez mais vem jogando luz sobre as desigualdades presentes nesse universo, e sobre as estratégias que podem ser compartilhadas no sentido de enfrentar os efeitos da globalização e do mercado das plantas sagradas e dos enteógenos.

A conferência refletiu a diversidade e a interdisciplinaridade do campo, abrindo espaço para o compartilhamento de estudos clínicos e pesquisas acadêmicas sobre as terapias assistidas por psicodélicos, e também deu voz para que as pessoas pudessem debater as questões éticas envolvendo as novas iniciativas farmacêuticas e filantrópicas nesse campo.

Três anos depois dessa primeira conferência, o evento Plantas Sagradas das Américas II aconteceu, de forma virtual, entre os dias 23 e 25 de abril de 2021, e incluiu a participação de 94 pesquisadores e ativistas, cada qual falando a partir de sua própria geografia e território. A conferência refletiu a diversidade e a interdisciplinaridade do campo, abrindo espaço para o compartilhamento de estudos clínicos e pesquisas acadêmicas sobre as terapias assistidas por psicodélicos, e também deu voz para que as pessoas pudessem debater as questões éticas envolvendo as novas iniciativas farmacêuticas e filantrópicas nesse campo. Pudemos escutar mulheres falando sobre o uso tradicional e contemporâneo de enteógenos, participar de conversas sobre como raça e psicodélicos estão relacionados, e dialogar sobre o fenômeno recente da “conspiritualidade”. O Chacruna também lançou a iniciativa Indigenous Reciprocity Initiative of the Americas, que tem o objetivo de dar um apoio direto, sem intermediários, para instituições e organizações indígenas ao redor de todo o continente americano. 

Depois de um ano e meio vivendo e sobrevivendo às consequências físicas, mentais e financeiras da pandemia de COVID-19, está claro que o interesse no potencial dessas plantas e animais não diminuiu. Além disso, novos investimentos financeiros e mudanças legislativas tem fomentado e aberto os caminhos para um uso mais amplo e democrático dessas substâncias. Sem dúvidas, isso traz importantes debates sobre equidade, direitos e sustentabilidade. Entretanto, uma das questões mais urgentes e delicadas que vivenciamos é justamente a consequência de toda essa ebulição para os povos indígenas e seus territórios que já tão atacados e violentados pela exploração ecológica e cultural sistemática que vem ocorrendo ao longo dos séculos. Nesse evento, muitos palestrantes falaram diretamente sobre as pressões econômicas, culturais e políticas que eles tem vivido como resultado da efervescência de turistas, pesquisadores e novos circulos espirituais nesse cenário.

A esperança que nutrimos é que esses encontros e diálogos sinalizem uma transformação e a possível democratização das vozes daqueles que podem influenciar positivamente esse os movimentos cada vez mais acelerados que acontecem nesse ecossistema. Para que isso possa ocorrer e crie raízes nesse movimento, contudo, é fundamental que possamos parar por um momento e refletir sobre nossas diversas identidades e sobre as posições que ocupamos dentro desse campo, de modo a sermos capazes de considerar as formas de violência que estão sistematicamente presentes nos territórios que promovem o conhecimento a partir dos lugares originários dessas práticas e culturas tradicionais.

Não podemos falar de reciprocidade com facilidade quando o que ocorre é que os povos indígenas continuam enfrentando altos níveis de pobreza e sofrendo a imposição de grandes projetos do capital. Essas realidades infelizmente são compartilhadas por povos muitos distintos, desde Dakota e Texas, até Sonora, San Luis Potosí e Oaxaca; seguindo os caminhos do cacau da América Central, até chegar à Cuenca Amazônica, onde a vida humana e não humana está sendo ameaçada por governos, milícias e corporações.

As comunidades vivem sem água ou com água contaminada, as rotas de poderosas plantações de café se fundem com as dos turistas que buscam “cogumelos mágicos”, e os campos e bosques que alimentam os habitantes mais velhos desta terra continentam são queimados ou contaminados.

Todas essas discussões surgiram de uma forma ou de outra durante as apresentações realizadas nessa conferência. Temos muito trabalho pela frente se quisermos interromper o dano que tem sido causado pelo extrativismo psicodélico e fortalecer esse movimento de uma forma que ele caminhe para superar décadas de criminalização e minimizar as pressões ecológicas, sociais e culturais das economias que giram em torno desses enteógenos.

São inumeráveis as pessoas que, como Sandra Liliana Peña e Breonna Taylor, tem sido vítimas de políticas de drogas falidas. Suas vidas e mortes importam. E é por isso, e por muitas outras razões, que devemos escutar, debater e refletir sobre as realidades que foram compartilhadas durante a conferência Diné, Inga, Mazateca, Huni Kuin, Ne Hiyawak, Rastafari, Shipibo, Tukano, Yawanawa, Wixárika e outros oradores de nações e comunidades tradicionais. É muito importante que lembremos que os benefícios desses sistemas de conhecimento e dessas plantas e animais não podem ser simplesmente celebrados sem que se leve em conta e se ponha em prática uma relação de solidariedade com a defesa dessas terras, ecologias e comunidades vidas e vibrantes.

Texto originalmente publicado em espanhol no Chacruna Latinoamérica.

Tradução para o português de Glauber Assis.

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