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Osiris Sinuhé González Romero obtuvo su doctorado en la Universidad de Leiden, en la Facultad de Arqueología - Patrimonio de los Pueblos Indígenas. Actualmente es miembro del consejo editorial de Chacruna Chronicles.

“Quem foi María Sabina?”

“Que tipo de conhecimento é necessário para encontrar a cura nos cogumelos sagrados?”

Sem dúvida essas são questões que muitas pessoas já se perguntaram. Para satisfazer essa curiosidade, vou compartilhar com vocês as ideias e experiências de María Sabina. Ela é inegavelmente a mais conhecida anciã Mazateca, embora continue muito pouco compreendida, apesar de sua notoriedade.

Evidências arqueológicas e fontes históricas demonstraram como as civilizações Maia, Mixteca e Asteca usavam cogumelos mágicos.

O conhecimento indígena sobre cogumelos não é uma pérola de sabedoria isolada ou fortuita, mas profundamente enraizada nas tradições mesoamericanas antigas. Evidências arqueológicas e fontes históricas demonstraram como as civilizações Maia, Mixteca e asteca usavam cogumelos mágicos.

Codex Vindobonensis, Mixtec Culture
Codex Vindobonensis, Cultura Mixtec, Slide 24.

O Encontro com os Cogumelos Sagrados

O primeiro encontro de María Sabina com cogumelos sagrados ocorreu quando ela tinha seis ou sete anos (cerca de 1900) quando um de seus tios ficou doente. Para curá-lo, sua família chamou um sábio ancião (Chotá-a-Tchi-née). Esse médico tradicional tinha o poder de diagnosticar a pessoa doente, a quem ele iria alimentar com vários pares de cogumelos. Os cogumelos eram distribuídos em pares para representar a ideia de dualidade e o arquétipo do casal primordial. O propósito de fazer o paciente ingerir cogumelos era que esse aprendesse sobre as causas de sua condição de modo que pudesse contribuir com seu processo de cura. “Um xamã mazateca guia a pessoa que decidiu “compreender” a causa de suas doenças através de orações e cantos, e do acompanhamento atencioso para o bom desenvolvimento do ritual.”

O médico tradicional realizou uma cerimônia, ou “velada”, para curar o tio de María Sabina. Ela observava, na medida em que ele acendia as velas e falava com os “guardiões dos montes” e com os “guardiões das fontes”. Ela viu como ele distribuía os cogumelos entre os adultos e seu tio. Tendo o ambiente ficado na escuridão completa, ela ouviu o sábio homem falar e falar e cantar, embora fosse em uma língua diferente da língua que ele utilizava no dia a dia.

Montanhas, fontes e plantas são dotadas de vida e personalidade. Portanto, são entidades sagradas com as quais é possível se comunicar através de uma linguagem ritual.

Estes traçls culturais pertencem à antiga tradição mesoamericana que reconhece que montanhas, fontes e plantas são dotadas de vida e personalidade. Portanto, são entidades sagradas com as quais é possível se comunicar através de uma linguagem ritual.

Alguns dias depois da cerimônia de cura, María Sabina estava com sua irmã María Ana cuidando das galinhas da família e protegendo-as das raposas. Sentada embaixo de uma árvore, ela reconheceu alguns alguns cogumelos exatamente iguais aqueles comidos pelo xamã que curou seu tio e, pouco a pouco, começou a colhê-los.

Naquela primeira ocasião, ela ingeriu os cogumelos sagrados juntamente com sua irmã. Após experimentar uma sensação de vertigem, ambas meninas começaram a chorar; após a vertigem passar, contudo, ambas se sentiram bem e muito contentes.

María Sabina relata que ela sentiu uma virada em sua vida. Nos dias que se seguiram, ela reporta que, quando ficavam com fome, ingeriam cogumelos e sentiam o estômago cheio e o espírito alegre.

Juntamente com sua irmã, Sabina continuou a comer cogumelos quando ia para os bosques. De vez em quando, seus pais encontravam as meninas deitadas ou ajoelhadas. E aí os adultos pegavam as crianças e as levavam para casa. Mesmo assim, elas nunca eram repreendidas nem apanhavam por comerem o cogumelo sagrado, porque o povo mazateca sabia que não era bom repreender pessoas que os ingeriram. Os cogumelos, afinal de contas, podem provocar sentimentos ambíguos nesse povo. As pessoas, por exemplo, podem sentir que estão ficando loucas.

Eight green psychedelic mushrooms in a circle with their tops pointed outward.
Arte de Mariom Luna.

O Encontro com os Seres Principais

Não foi antes de ter se enviuvado pela primeira vez que Maria Sabina se aproximou mais da sabedoria dos cogumelos sagrados. Durante os primeiros anos de sua viuvez, ela começou a experimentar desconforto em sua cintura e quadris devido à experiência de parto. Ela decidiu utilizar novamente os cogumelos sagrados para se curar. No entanto, o momento decisivo para reafirmar a sua vocação foi quando a sua irmã María Ana adoeceu. Entre os sintomas mais graves encontravam-se dores e espasmos na barriga. Para as aliviar, ela chamou outros sábios e curandeiros, mas estes esforços não foram bem sucedidos.

María Sabina sabia que os Mazatecas utilizavam cogumelos sagrados para aliviar doenças, por isso decidiu fazer ela própria o ritual. De acordo com o testemunho relatado pelo escritor mazateca Álvaro Estrada, ela disse: “A ela, eu dei três pares. Comi muitos, para me dar imenso poder. Não posso mentir, devo ter comido trinta pares de cogumelos derrumbe“. Segundo a literatura científica, os mazatecas contemporâneos conhecem e utilizam pelo menos dez espécies diferentes de cogumelos psicoativos. As mais conhecidas são: “derrumbe” (psilocibe caerulescens) e “pajarito” (psilocibe mexicana).

Sem dúvida, esta experiência foi crucial porque, além de alcançar o objetivo de aliviar a sua irmã, María Sabina teve uma visão em que apareceram seis a oito personagens que lhe inspiraram um enorme respeito. “Eu sabia que eles eram ‘os Seres Principais’ dos quais os meus antepassados falavam”, declarou ela.

Os antepassados são os portadores de conhecimento, sabedoria e experiência para os povos indígenas. Consequentemente, são a linha da frente de professores, facilitadores e guias, e distinguem-se por terem deixado um legado. No caso de María Sabina, o seu legado está directamente relacionado com o poder de cura com a ajuda de cogumelos sagrados.

A revelação ocorrida durante aquela cerimônia seria decisiva para consolidar a vocação de María Sabina, na medida em que as notícias sobre a cura de sua irmã se espalhavam entre os moradores de Huautla.

Um fato notável é que este legado de sabedoria apareceu a María Sabina sob a forma de um livro. Segundo o testemunho de María Sabina, os Seres Principais rodearam uma mesa sobre a qual apareceu um livro aberto, que cresceu até o tamanho de uma pessoa. Era branco, tão branco que brilhava, e nas suas páginas havia cartas. Não era um livro qualquer, como relata Estrada: “Um dos Seres Principais falou comigo e disse-me: María Sabina, este é o Livro da Sabedoria. É o Livro da Linguagem”. Tudo o que ele contém é para você. O Livro é seu, leve-o para trabalhar com ele”.

Esta revelação foi decisiva para consolidar a vocação de María Sabina. A notícia da cura da sua irmã espalhou-se entre os habitantes de Huautla, a aldeia onde ela vivia, que a procuravam cada vez com mais frequência para os ajudar a curar os seus familiares doentes.

Outro aspecto notável da história de María Sabina é o seu reconhecimento da medicina ocidental. Para ela, não havia oposição entre a medicina tradicional e a medicina ocidental, mas sim uma relação de complementariedade. Ela também considerou ser este o caso da espiritualidade proveniente da tradição mesoamericana e a tradição proveniente do cristianismo. Numa ocasião, María Sabina foi baleada duas vezes e levada ao médico da aldeia, um jovem chamado Salvador Guerra. Ele usou anestesia e removeu as balas, ela ficou espantada e grata ao médico, e mais tarde se tornaram amigos, de modo que ela até realizou uma cerimónia de cogumelos para ele.

Indigenous Reciprocity Initiative of the Americas

Descubra a Indigenous Reciprocity Initiative of the Americas

O Encontro com Robert Gordon Wasson

Foi seu prestígio dentro de sua comunidade que levou María Sabina ao encontro com Robert Gordon Wasson em 1955. Wasson já tinha estado em Oaxaca antes, e até mesmo a Huautla, perguntando sobre os usos rituais dos cogumelos sagrados. Este encontro marcou um momento paradigmático para o estudo e compreensão dos usos rituais e terapêuticos dos cogumelos sagrados.

Tanto nos escritos para uma audiência geral como na literatura científica da cultura ocidental, havia a crença de que estes rituais tinham desaparecido com a colonização, o que era impreciso. É por isso que o encontro entre María Sabina e Wasson é de particular importância. De acordo com o testemunho de Wasson: “Não há qualquer indicação de que algum homem branco tenha alguma vez participado numa sessão como a que estamos prestes a descrever, nem que alguma vez tenha consumido os cogumelos sagrados em quaisquer circunstâncias”.

Neste encontro, vale a pena destacar a assimetria de poder. Wasson foi um banqueiro que se tornou vice-presidente de J.P. Morgan, com abundantes recursos para financiar as suas expedições. Ao mesmo tempo, María Sabina era uma sábia reconhecida na sua comunidade. Mesmo assim, ela não cobrou uma quantia fixa de dinheiro quando realizou as suas cerimônias com cogumelos sagrados. Em vez disso, ela estava sob pressão para aceitar encontrar-se com Gordon Wasson pelo administrador municipal de Huautla. Numa entrevista com Alberto Ongaro em 1971, Wasson admitiu que a sábia mazateca tinha sido convidada a realizar a cerimónia pelo administrador, Don Cayetano. Sentiu que não lhe restava outra alternativa. “Devia ter dito que não”.

O encontro entre María Sabina e Robert Gordon Wasson representa um dos acontecimentos mais cruciais na história da pesquisa sobre os usos das plantas psicodélicas.

A pressão exercida sobre María Sabina foi posteriormente corroborada numa entrevista dada a Álvaro Estrada em 1976: “É verdade que antes de Wasson, ninguém falava tão livremente das ‘crianças’ [cogumelos sagrados]. Nenhum dos nossos povos revelou o que sabia sobre este assunto. Mas eu obedeci ao mandatário municipal. No entanto, se os estrangeiros tivessem chegado sem qualquer recomendação, eu também lhes teria mostrado a minha sabedoria, porque não há nada de errado”.

O encontro entre María Sabina e Robert Gordon Wasson representa um dos acontecimentos mais cruciais na história da pesquisa sobre os usos das plantas psicodélicas. Principalmente devido às suas repercussões culturais, que estão longe de ser compreendidas ou mesmo reconhecidas. Este encontro é uma oportunidade de conhecer o alcance e a profundidade da sabedoria dos povos indígenas que o dom de María Sabina representou. Também proporciona uma oportunidade para refletir sobre alguns aspectos éticos, tais como o extrativismo cultural, que uma abordagem decolonial não pode deixar de lado.

María Sabina and Robert Gordon Wasson
María Sabina e Robert Gordon Wasson

Este encontro também nos dá a oportunidade de refletir sobre o papel das mulheres na pesquisa psicodélica, nomeadamente a partir da expertise frequentemente ignorada de Valentina Pavlovna Wasson. Ela obteve o doutoramento e tinha um vasto conhecimento na área da micologia. Infelizmente, ela não esteve presente no primeiro encontro com María Sabina, de acordo com a informação disponível. No seu artigo na revista This Week em 1957, Valentina apenas mencionou brevemente o encontro de seu marido com uma “xamã”, e o seu objetivo era descrever a experiência dos cogumelos num contexto não-cerimonial. Além disso, devido à morte prematura de Valentina em 1958, infeliemznete é altamente possível que estas mulheres nunca tenham se encontrado.

It is essential to insist on historical reparations for Indigenous communities for the use of mushrooms.

Acima de tudo, o que talvez esse encontro exiba é uma assimetria de poder entre o antigo banqueiro vice-presidente de J.P. Morgan e uma mulher indígena. Embora ela o superasse em sabedoria, ela não teve o mesmo reconhecimento durante a sua vida. Enquanto Wasson obteve reconhecimento, prestígio e fama mundial por “descobrir” o cogumelo sagrado, María Sabina viveu com o estigma de “revelar” os seus segredos a um forasteiro. Havia muita raiva contra ela na sua comunidade; algumas pessoas desconhecidas até mesmo queimaram a sua casa, e um bêbado assassinou o seu filho. Anos mais tarde, em 1985, ela morreu em condições empobrecidas, o que não refletiu as suas grandes contribuições para o conhecimento de plantas psicodélicas. É por isso que é essencial insistir em “reparações históricas” pela expropriação de cogumelos das comunidades indígenas, como propôs o investigador dos mazateca, Osiris García Cerqueda.

Reconhecer os “traços coloniais” na renascença psicodélica é essencial para a reflexão sobre esses persistentes dilemas éticos, que não devem ser esquecidos ou deixados de lado. Confrontar esses legados históricos é necessário para reverter o indesejável efeito da discriminação, apropriação cultural e falta de reconhecimento.  

Não é exagero dizer que da perspectiva dos povos indígenas, a pesquisa psicodélica sobre as propriedades terapêuticas da psilocibina, e o desenvolvimento de fármacos relacionados têm uma história ligada ao extrativismo, apropriação cultural, biopirataria e colonização.

Que esse pequeno texto sirva como um tributo e uma forma de reconhecimento às sábias mulheres de todos os povos originários do México.

Art by Karina Alvarez.

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