La Dra. Adele Lafrance es psicóloga clínica, autora y co-desarrolladora de modalidades de tratamiento centradas en las emociones. Realiza investigaciones sobre el valor terapéutico de las sustancias que alteran la conciencia, incluidos los mecanismos de curación.
El Dr. Paul Uy es un psiquiatra con gran interés en la teoría y práctica de las psicoterapias experienciales. Está involucrado en la educación, la investigación y el uso compasivo de la psicoterapia asistida por psicodélicos.
O que é o Amor?
A renascença psicodélica dispõe de um potencial incrível para reabilitar e revitalizar o conceito de amor na psicoterapia e para além dela. Mas o que é o amor? Durante séculos, pessoas interessadas em diversas formas de conhecimento – desde artistas a filósofos, cientistas e sábios – procuraram definir o amor, um conceito que varia entre culturas e períodos históricos. Segundo Bill Richards1, “o desafio pode estar relacionado a questões de linguagem e aos diversos significados atribuídos à palavra ‘amor’ – mais ou menos como a palavra ‘Deus’” (W. Richards, comunicação pessoal, 31 de agosto de 2020). O amor sólido de um pai ou de uma mãe é diferente do amor entre casais ou entre amigos de longa data, e diferente ainda do sentimento de comunhão que ocorre entre pessoas durante uma cerimônia espiritual. Nós cantamos canções de amor para a terra que chamamos de lar, para o mistério de onde viemos e para o qual voltaremos.
O Amor para a Psicoterapia
Quando estamos impossibilitados de amar, ou se vivemos vidas com escassez de amor, sofremos. Recorremos às pessoas de confiança para encontrar nosso caminho rumo à conexão que nos mantém vivos. De forma semelhante, o foco primário da psicoterapia consiste em ajudar as pessoas a superarem a falta de amor e a cultivarem a capacidade, a coragem e a liberdade para amarem a si mesmas e aos outros. O vocabulário da terapia também está repleto de termos associados à cura, como “sustentação” (holding), “validação” e “consideração positiva incondicional”, um eufemismo para o amor e uma energia poderosa usada para criar a melhor condição possível para a cura e crescimento.
Não surpreende, então, o fato de que os psicodélicos – capazes de ativar inteligências internas profundamente curativas – podem desencadear espontaneamente experiências de amor internas e interpessoais.
Não surpreende, então, o fato de que os psicodélicos – capazes de ativar inteligências internas profundamente curativas – podem desencadear espontaneamente experiências de amor internas e interpessoais. No entanto, ao realizar uma busca na literatura científica relacionada aos psicodélicos, apenas um artigo nos últimos 50 anos contém a palavra ‘amor’ no título – e, no caso, em referência a uma música. A palavra amor não está no índice do livro pioneiro de Michael Pollan, How to Change your Mind (Como Mudar a sua Mente, na edição em português), ainda que o amor esteja presente nas suas páginas. No relato sobre a sua jornada com LSD, Pollan descreve que “uma represa de amor se rompeu” durante a experiência. O autor admite, ainda: “fico constrangido em escrever essas palavras; parecem tão simples, tão banais. (…) O amor é tudo” (Pollan, 2018; pp. 234-235).
Dentre uma infinidade de medicinas e e práticas terapêuticas, pessoas de todas as raças, gêneros, classes e diversidades procuram uma palavra para descrever experiências transformadoras, e elas encontram a palavra “amor”. Portanto, qual seria a distância entre o trabalho de cura e a linguagem e o estudo do amor?
A Sombra do Amor
Algumas pessoas podem dizer que a separação entre cura e amor foi necessária. A história do amor em seus muitos domínios é repleta de transgressão, violência e abuso. A ideia de amor tem sido usada para promover violência colonial, subjugada pelo racismo e sexismo, mercantilizada pelas forças econômicas e distorcida pelos efeitos do trauma intergeracional. Um terapeuta que evita fazer referência à natureza do amor durante a terapia com o seu cliente – e inclusive no espaço entre eles – pode estar fazendo isso para evitar possíveis mal-entendidos ou violações de limites, ou por medo de invalidar um possível histórico de trauma. E, embora os seus esforços possam ser bem-intencionados, no equilíbrio entre trauma e recuperação, a força que conduz a cura dentro da terapia aguarda ser reconhecida.
Compartilhamos estas reflexões como um convite, um chamado à ação, e até mesmo para priorizar o estudo do amor na psicoterapia assistida por psicodélicos; das experiências de amor induzidas por essas substâncias à importância do sentimento de amor entre terapeuta e cliente.
Nós – e outros – acreditamos que é hora de voltar nossos esforços para reparar essa fragmentação. O renascimento psicodélico oferece uma oportunidade incrível para que possamos cultivar com segurança, ética e delicadeza essa energia poderosa, inteligente e curativa. Compartilhamos estas reflexões como um convite, um chamado à ação, e até mesmo para priorizar o estudo do amor na psicoterapia assistida por psicodélicos; das experiências de amor induzidas por essas substâncias à importância do sentimento de amor entre terapeuta e cliente.
O amor fornece a inspiração e a convicção necessárias para co-criar a cura (imagem adquirida de Istock)
Quatro Dimensões do Amor Psicodélico
Para focar na natureza do amor, primeiramente propomos quatro categorias para mapear as direções do amor no contexto de experiências psicodélicas:
1. Doar: Amor Sentido pelos Outros
Ó Mestre,
fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
– Oração da Paz de São Francisco de Assis (Anônimo, 1915)
Para muitos, o amor é mais comumente reconhecido como algo que se sente em relação aos outros. Nossas ações mais altruístas, criativas e corajosas frequentemente vêm do desejo de servir, proteger e encantar o outro. A medicina psicodélica amplia e intensifica essas motivações que colorem as nossas vidas. Perceber a profundidade com que amamos os outros pode ser uma revelação que cura, a lembrança de um dos valores mais essenciais:
No final da cerimônia, eu me peguei ditando a mim mesmo uma longa carta para o meu melhor amigo. Nós sempre apoiamos um ao outro e nos chamávamos de “irmão” com frequência. Mas havia sempre uma certa distância entre nós que eu não conseguia dimensionar, alguma tristeza com a qual eu não conseguia falar. Eu sempre quis dizer claramente: “Eu te amo”. Recheei a carta com nossas piadas internas e lembrei das vezes que ele literalmente salvou a minha vida. A carta parecia durar para sempre, e era tudo que eu podia fazer para ficar no meu lugar e não pegar o meu telefone e começar a enviar mensagens de texto com essa mais pura declaração de amor. Fiquei quieto por muito tempo, sentindo, percebendo que a distância entre nós não existia mais. – Participante de pesquisa anônimo
2. Receber: Amor Sentido a partir dos Outros, da Natureza ou do Espírito
E, ainda assim, você conseguiu o que queria desta vida?
Eu consegui.
E o que você queria?
Chamar-me de um ser amado,
sentir-me como um ser amado na Terra.
– Raymond Carver (1989)
Para outros, a cura transformadora emerge da percepção de ser amado, em particular para aqueles com histórico de trauma do desenvolvimento. As pessoas relatam vivenciar essa descoberta com reações que vão do alívio ao deleite. Em uma época marcada pela escassez material e relacional, sentir-se amado pode trazer alívio para a carência emocional e espiritual:
Eu estava no precipício entre desistir ou não ser mais capaz de lidar. Quando eu senti que estava prestes a cair, houve um lembrete do meu espírito: “Você não está sozinho. Entregue-se e confie neste processo. Eu estou com você”. Ao vivenciar esse amor, que eu acreditava ser do meu próprio espírito, pude ver tudo em minha vida através das lentes do amor. Perdoar a mim mesmo e aos outros parecia natural; o meu valor e preciosidade pareciam naturais; meu amor pelos outros fluiu livremente, mesmo para aqueles que me feriram. Eu estava livre. – Participante anônimo
3. Nutrir: Experiências de Amor Próprio
‘eu me amo.’
a mais
silenciosa.
simples.
poderosa.
revolução.
de todas.
– Nayyirah Waheed (2013)
Com o amor próprio, é possível recuperar a capacidade de dizer ‘sim’ ou ‘não’, de viver uma vida harmoniosa, de se engajar em práticas de autocuidado à medida que as necessidades vão surgindo organicamente.
A terapia psicodélica é conhecida por aumentar a tolerância ao sofrimento, despertar o interesse por novas experiências e cultivar uma atitude de sobrevivência: elementos de resiliência essenciais para a cura e para o desenvolvimento pessoal. No entanto, por mais significativas que sejam, essas experiências não oferecem o afeto ou o cuidado que uma pessoa pode encontrar em si mesma, para si mesma. Com o amor próprio, é possível recuperar a capacidade de dizer ‘sim’ ou ‘não’, de viver uma vida harmoniosa, de se engajar em práticas de autocuidado à medida que as necessidades vão surgindo organicamente. Uma mulher descreveu o seguinte, durante uma experiência com MDMA:
“Eu percebi que na minha frente havia uma estrutura de arte em vidro que fora quebrada e reconstruída. Fiquei na frente dela, olhando para o meu reflexo. “Você é um ser humano bom e digno de ser amado; o seu coração está repleto de amor para dar. Você é merecedora… Levante-se e ame a si mesma. Você é linda”. E a partir desse momento, jurei dedicar a minha vida a continuar a me amar e a encontrar formas de ajudar os outros a encontrarem o amor próprio”. – Participante anônima
4. Tornar-se: Experiências de Ser Amor
À medida que você se dissolve em amor,
seu ego desaparece.
Você não está pensando em amar;
você está apenas sendo amor,
Radiante como o sol.
– (Dass & Das, 2010)
No livro The Cosmic Game (“O Jogo Cósmico”, na edição em português), Stanislav Grof cataloga as formas como as experiências psicodélicas proporcionam a oportunidade de se vivenciar um estado de expansão para além de si, dissolvendo fronteiras entre o ‘eu’ e o ‘outro’, em direção a uma perfeição inesperada ou mesmo inimaginável. A partir dessas perspectivas surpreendentes, Grof observa: “Profundos insights metafísicos sobre a natureza da realidade geram uma reverência para com todos os seres sencientes e um engajamento responsável no processo da vida”. De fato, algumas jornadas psicodélicas parecem levar a experiências transpessoais de ser a compaixão – como um verbo ativo – e gerar reverência por todos, trazendo uma clareza inusitada para os registros dos praticantes das artes espirituais” (Grof, 1999).
O Amor como Medicina
Para além das experiências de amor induzidas por psicodélicos, é fundamental falar sobre o amor que flui do terapeuta para o seu cliente (ou participante de pesquisa). Como podemos observar na infância – um período definidor de realidades –, devemos ser amados para poder amar. Como a terapia tem comprovado, nós podemos ser amados – mesmo por pessoas relativamente estranhas – com ternura e integridade. Podemos observar esse conceito incorporado no papel do terapeuta a partir dos resultados produzidos nos ensaios clínicos da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (Multidisciplinary Association for Psychedelics Studies, MAPS) utilizando a psicoterapia assistida por MDMA para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Essas pesquisas estão quebrando barreiras alimentadas por tabus que há muito tempo atormentam terapeutas e outros profissionais de saúde. Marcela Ot’alora, instrutora, supervisora e pesquisadora da MAPS, observa: “Amar é estabelecer um espaço destinado integralmente para ouvir a experiência do outro com o coração aberto. É através desta escuta que nutrimos e sentimos a empatia. A cura surge a partir deste espaço. A psicoterapia assistida por MDMA se presta a esta oportunidade” (M. Ot’alora, comunicação pessoal, 12 de fevereiro de 2021). Bruce Poulter, também instrutor, supervisor e pesquisador da MAPS, acrescenta: “O amor é o elemento central do meu trabalho, significando curiosidade, compaixão e compreensão, e produz resultados para além da minha imaginação” (B. Poulter, comunicação pessoal, 14 de fevereiro de 2021).
A Fronteira Final
O renascimento psicodélico é uma oportunidade de conceber a psicoterapia como um relacionamento que pode conter expressões explícitas e deliberadas de amor em todas as formas; uma força que cura e que fortalece nossa capacidade de escolher uns aos outros, contra nossos instintos individuais e programações e imperativos sociais. O colega Joe Tafur2 oferece alguns comentários finais a respeito dessa fronteira e sobre o modo como a exploramos, incluindo a necessidade de uma investigação aprofundada sobre para onde o amor finalmente leva:
O amor parece ser considerado por muitos como um tema pouco profissional, o que na área da saúde é, receio, uma ignorância grave. Parece que a “consideração positiva incondicional” tem sido útil, mas há espaço para dizer mais. À medida que nos tornarmos mais sofisticados culturalmente, teremos que lidar de forma mais aprofundada com este tópico que é muito vulnerável na medicina e na pesquisa. E, se a metafísica for desconfortável, então suspeito que as coisas se tornem provavelmente ainda mais desconfortáveis (J. Tafur, comunicação pessoal, 28 de setembro de 2020).
Então, vamos ficar desconfortáveis.
Arte de Mariom Luna.
Tradução de Lucas Maia.
Notas do tradutor
1. William (“Bill”) Richards, psicólogo e professor da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, é um dos pesquisadores com maior experiência em estudos clínicos com psicodélicos, atuando na área desde a década de 1960.
2. Joe Tafur, médico formado na Universidade da Califórnia, é autor do livro The fellowship of the River (sem tradução em português), que narra as suas vivências entre curandeiros Shipibo na Amazônia peruana e explora as relações entre as medicinas tradicionais e a medicina moderna.
Referências
Carver, R. (1994). Late fragment. A new path to the waterfall. New York City, NY: Atlantic Monthly Press.
Dass, R. & Das. R. (2010). Be love now. San Francisco, CA: Harper One.
Grof, S. (1999). O Jogo Cósmico: Explorações das fronteiras da Consciência Humana. Rio de Janeiro: Atheneu.
Pollan, M. (2018). Como mudar sua mente: O que a nova ciência das substâncias psicodélicas pode nos ensinar sobre consciência, morte, vícios, depressão e transcendência.Rio de Janeiro: Intrínseca.
Waheed, N. (2013). Salt. Scott’s Valley, CA: CreateSpace Independent Publishing Platform.
Wolfe, A. S., Miller, C., & O’Donnell, H. (1999). On the enduring popularity of Creams’ “Sunshine of Your Love”: Sonic synecdoche of the “psychedelic 60s.” Popular Music, 18(2), 259–276.