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A Maravilhosa e Controversa Vida de Rosemary Woodruff Leary: Ícone da Moda, Fugitiva e Pioneira Psicodélica – Liberdade? (Parte dois)

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El Dr. James Penner es editor de Timothy Leary: The Harvard Years (2014) y autor de Pinks, Pansies, and Punks: The Rhetoric of Masculinity in American Literary Culture (2011). También es colaborador de Los Angeles Review of Books y Lucid News.

A decisão de participar de uma fuga foi sem dúvida a mais importante da vida de Rosemary. Não importa o resultado, haveria sérias repercussões que afetariam o resto de sua vida. Se o plano fracassasse, Tim provavelmente seria transferido e passaria muitos anos em Folsom ou San Quentin, e o seu envolvimento provavelmente seria descoberto pelas  autoridades prisionais. Se a fuga fosse bem-sucedida, Rosemary seria considerada uma criminosa perigosa por “ajudar e incitar” à fuga. Ela seria perseguida incansavelmente pelo FBI e pela Agência de Narcóticos e Drogas Perigosas (BNDD). Rosemary estava em liberdade condicional por acusações anteriores, então seu envolvimento era altamente arriscado, para dizer o mínimo. Apesar das graves  consequências, Rosemary abraçou o plano mesmo não estando convencida do seu sucesso.

Por meio de seus experimentos com a alteração de sua consciência, ela aprendeu a abraçar um estado de destemor.

Em Psychedelic Refugee, o otimismo de Rosemary parece resultar de suas experiências com psicodélicos. É difícil explicar ou quantificar, mas experimentar psicodélicos torna certas pessoas mais ousadas do que normalmente seriam. Por meio de seus experimentos com a alteração de sua consciência, ela aprendeu a abraçar um estado de destemor. A trama da fuga foi mais um teste de sua força de vontade e força interior.

Rosemary foi uma peça chave no plano de fuga. Ela levantou $20.000 da Irmandade do Amor Eterno, uma entidade que muitas vezes se mostrava generosa com os recursos financeiros que possuíam. Ela também atuou como intermediária para o Weather Underground, que forneceu um carro de fuga, identidades falsas e vários esconderijos em San Francisco e no estado de Washington. A trama em si continha vários riscos. O ex-professor de psicologia de 49 anos que fumava demais teria que subir em uma grande árvore e depois atravessar o telhado de dois blocos de celas para alcançar um cabo telefônico que teria que agarrar com luvas de handebol e enrolá-lo cuidadosamente nos seus tornozelos; uma vez que todo o seu peso estava apoiado nesse cabo, ele teria que rastejar como uma lagarta até chegar ao outro lado da cerca de arame farpado de 3,5 metros. Se em algum momento ele caísse do fio telefônico, sem dúvidas quebraria muitos ossos e provavelmente ficaria preso em Folsom pelo resto de sua vida. Ele definitivamente perderia o direito de permanecer na California Men’s Colony, em San Luis Obispo, a prisão mais “humanitária” do estado.


Diagrama da rota de fuga de Leary. retirado de suas memórias, Flashbacks (1983).

Quando a noite da fuga finalmente chegou, Leary fez uma última leitura de cartas de tarô – não temos certeza o que as cartas sugeriam – e depois um pouco de yoga no pátio da prisão. Ao fazer o exercício, o professor de psicologia se concentra no poste e no cabo telefônico que vê ao longe. Ele então se visualiza cruzando para o outro lado da cerca de arame farpado. Mais tarde naquela noite, ele executaria com sucesso seu plano de fuga e seria levado para o estado de Washington, onde finalmente se reuniria com Rosemary.

Tirar Tim da prisão foi certamente um gesto ousado, mas, ironicamente, resultou em um estado de privação de liberdade porque ambos, que constantemente se preocupavam com a possibilidade de serem presos pelos FBI e pela BNDD. Tim e Rosemary alteraram suas aparências para escapar da detecção. Leary se tornou “William J. McNellis”, um empresário do meio-oeste e Rosemary se tornou “Margaret Ann McCreedy”.


Suas identidades falsas substituíram suas consciência alterada. No entanto, a busca por autonomia de Rosemary estendeu-se à sua vida pessoal. No exílio, Rosemary tornou-se cada vez mais deprimida e alienada; era difícil viver com uma mala e a crescente pressão de uma maior vigilância pesava em sua psique e em seu casamento. Quando o FBI, o BNDD e o governo Nixon fizeram de Tim e Rosemary os principais alvos de captura, Rosemary lutou para manter sua sanidade.

A seção pós-fuga de Psychedelic Refugee (1971 a 1980) foca na busca de Rosemary pela paz interior e autonomia pessoal. À medida que Rosemary é puxada cada vez mais para a órbita de Leary, ela se vê perdendo lentamente seu senso de individualidade.

Era como se ele prosperasse com a resposta da imprensa, a necessidade de mais advogados e recursos, a ameaça de julgamento e prisão, o convite para subir na cruz, o mito do herói trágico: um doce sonho de opressão. Era o filme dele.”

O tema da perda de seu senso de identidade foi observado durante as primeiras partes de suas memórias. Já em 1966, Rosemary também havia testemunhado a curiosa resposta de Tim à prisão de Millbrook: “Tim foi libertado sob fiança no final do dia. Seguro, bem-humorado e despreocupado, ele parecia quase gostar desse novo confronto com a lei. Era como se ele prosperasse com a resposta da imprensa, a necessidade de mais advogados e recursos, a ameaça de julgamento e prisão, o convite para subir na cruz, o mito do herói trágico: um doce sonho de opressão. Era o filme dele.”

O casamento de Rosemary com Leary deu a ela um vislumbre íntimo da predileção de seu marido pela auto mitificação e do fato de que ele nunca conheceu um microfone pelo qual não se apaixonasse. Embora Tim parecesse gostar de desempenhar papéis arquetípicos para a contracultura – homem sábio, sumo sacerdote e rebelde anti-sistema – Rosemary, enquanto está no exílio, anseia por uma vida pacífica, onde ela e Tim possam escrever livros e escapar dos bajuladores e do máquina de publicidade que Tim não consegue resistir.

Rosemary e Tim Leary no exílio na Argélia, por volta de 1972.

Na primavera de 1971, Rosemary começa a considerar seriamente se separar de Tim. A princípio, ela buscou a separação, mas acabou se tornando uma ruptura permanente. O relato de Rosemary sobre o relacionamento deles em Psychedelic Refugee oferece uma visão mais sutil de sua política conjugal. Rosemary estava determinada a não ser uma vítima passiva. Embora ela temesse que algumas pessoas na contracultura a demonizada por deixar o marido, ela continuou assim mesmo.

“Wandering and Return”, capítulo final do livro, é talvez o mais fascinante de todos. Ele cobre a odisséia de Rosemary na clandestinidade durante os anos de 1970 e seu retorno homérico aos Estados Unidos, em 1976. A narrativa deste capítulo é baseada em uma entrevista que ela deu a Robert Greenfield, em 1997. Rosemary falou abertamente sobre suas experiências no exílio e parecia menos preocupada em incriminar a si mesma e aos outros. Aqui ela menciona John Schewel, seu belo amante e companheiro no exílio, pela primeira vez. Rosemary descreve como Schewel a ajudou a se esconder com sucesso quando ela deixou Leary, no outono de 1971. Por duas décadas, eles viajaram pelo mundo, morando no Canadá, Afeganistão, Sicília, Colômbia e Costa Rica, completamente fora do radar das autoridades federais dos Estados Unidos.

Aprendi a ser eu mesma e a viver sem um homem, a cozinhar para mim mesmo e a ficar sozinha

Rosemary e Schewel finalmente retornaram aos Estados Unidos se passando por esquiadores aquáticos em uma lancha cigarette, chegando com segurança em Fort. Lauderdale, Flórida. O casal acabou decidindo por se estabelecer em Provincetown, Massachusetts, onde foi um porto seguro para Rosemary por quase duas décadas. Embora goste de morar na orla de Cape Cod, ela lembra ao leitor que sempre dormia com a mala feita e os tênis ao lado da cama. Quando ela e Schewel se separam, na década de 1980, ela abraça sua recém-descoberta independência: “Aprendi a ser eu mesma e a viver sem um homem, a cozinhar para mim mesmo e a ficar sozinha”.

Uma foto extremamente rara de John Schewel em Provincetown, no início dos anos 80. 
Schewel era o companheiro e amante de Rosemary na clanestinidade e um membro original da Liga de Descoberta Espiritual, co-fundada por 
Nina Graboi e Timothy Leary em 1966. Foto cedida por Gary Woodruff.

Psychedelic Refugee termina simbolicamente com o reencontro de Rosemary com Tim, cerca de 20 anos após a separação na Suíça. Nesse ponto, Rosemary estava vivendo na clandestinidade e Tim estava solteiro depois que Barbara Chase, sua quinta esposa, o deixou algumas semanas antes. Rosemary descreve o encontro no Museu de Arte Asiática, no Golden Gate Park, em dezembro de 1992: “Nós dois estávamos tão diferentes fisicamente que estávamos irreconhecíveis. Mas, como sempre, assim como quando nos encontramos depois de uma fuga ou quando ele saía da prisão, foi um filme. Em Vista Vision e Technicolor. Panorâmico. Tim era tão bom em criar drama e adorava atuar, ele era brilhante nisso.” Tim ainda tinha uma carta na manga: “Ele me pediu em casamento [e] eu disse não. E ele disse: ‘Bem, então terei que riscar você da minha lista’.

Depois de ler Psychedelic Refugee, tenho a impressão de que existem muitas versões de Rosemary Woodruff Leary que circulam no imaginário do público. Para alguns, ela era a esbelta e bela esposa de Timothy Leary, que frequentemente aparecia ao seu lado durante as entrevistas para a imprensa; para outros, ela é um ícone da moda cuja influência foi recentemente elogiada na revista Vogue . Para a comunidade psicodélica e a contracultura, ela foi uma figura heróica na Guerra às Drogas, mantendo os seus princípios e se recusando firmemente a entregar nomes às autoridades federais. Cada uma dessas versões de Rosemary são precisas, mas, para mim, o que mais se destacou em Psychedelic Refugeefoi o forte senso de humor da autora e sua generosidade de espírito diante da adversidade. Afinal, ela tinha todo o direito de estar chateada com os enormes sacrifícios que teve de fazer durante as últimas três décadas de sua vida. Quem teria pensado que o narrador vibrante e divertido – uma pessoa que claramente amava a vida e estar na companhia de outras pessoas – acabaria vivendo uma vida kafkiana solitária, na clandestinidade por 23 anos? Embora Rosemary tenha se encontrado frequentemente em situações precárias e absurdas durante suas últimas três décadas de vida, Psychedelic Refugee não é o livro de memórias de uma pessoa amarga e raivosa. Em vez disso, apresenta a voz de uma heroína magnânima que viveu o suficiente para contar sua história.

Muito obrigado a John Schewel, Denis Berry, Gary Woodruff e Lindsay Brice. Entrevistei cada um deles para entender mais sobre os últimos dez anos da vida de Rosemary. Embora eu não tenha usado nenhuma citação de suas entrevistas para este artigo, aprendi muito sobre a vida de Rosemary e sua decisão de ressurgir em 1994. Também quero agradecer a Thomas Lannon, o ex-curador dos Arquivos da Biblioteca Pública de Nova York e Divisão de Manuscritos. Quando visitei a Biblioteca Pública de Nova York em agosto de 2019, Thomas garantiu o meu total acesso aos papéis de Rosemary e ao manuscrito de The Magician’s Daughter . Por fim, gostaria de agradecer ao falecido David E. Philips, amigo e confidente de Rosemary, por resgatar suas memórias da obscuridade dos arquivos.

Texto originalmente publicado pelo Instituto Chacruna.

Arte da capa de Luana Lourenço.

Tradução: Thayná Bastos

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