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Por que as pessoas negra devem abraçar a cura psicodélica?

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Monnica T. Williams, Ph.D., ABPP, es psicóloga clínica certificada y profesora asociada de la Universidad de Connecticut. Ha publicado más de 100 artículos sobre salud mental de minorías étnicas, investigación de psicopatología y terapia psicodélica. Forma parte del Comité de Acceso y Equidad Racial de Chacruna.

Exclusão, opressão, encarceramento em massa e pesquisas abusivas formaram barreiras para o conhecimento ancestral de processos de cura que nós, negros e negras, precisamos e merecemos.

As pessoas negras que vivem na cultura ocidental podem sentir o impacto da racialização, do trauma cultural e do racismo. Nós sabemos que a opressão e a desigualdade podem contribuir para o sofrimento psíquico, tanto a nível individual quanto coletivo, e como essa dinâmica é potencializada e agravado em pessoas que existem na interseção de múltiplas identidades marginalizadas.

Recentemente, vem sendo levantada a discussão sobre o potencial dos medicamentos psicodélicos para tratar uma ampla gama de condições de saúde mental, incluindo a depressão, o transtorno de estresse pós-traumático, o vício, a ansiedade no fim da vida e outras condições. De fato, várias universidades importantes têm até instaurado centros de pesquisa psicodélica – como a Universidade Johns Hopkins, o Imperial College de Londres e a Universidade de Toronto – e programas educacionais vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de treinar médicos para fornecer terapias assistidas com psicodélicos.

Os psicodélicos poderem ter um grande potencial para ajudar a curar muitos tipos de dificuldades psicológicas e levar as pessoas à plenitude. Mas esse potencial parece não incluir especialmente as pessoas negras, que fazem parte da diáspora africana. Como psicóloga clínica e pesquisadora afro-americana, tornou-se evidente para mim como que nós não fomos incluídos de forma significativa a esse processo, seja como participantes ou como pesquisadores. As nossas vozes não fazem parte da conversa à medida que esses medicamentos se movem em direção aos cuidados convencionais sobre saúde mental.

As nossas vozes não fazem parte da conversa à medida que esses medicamentos se movem em direção aos cuidados convencionais sobre saúde mental.

Em minha própria comunidade, os afro-americanos tendem a desconfiar de psicodélicos, e um dos motivos para isso se deve ao estigma associado a substâncias ilícitas. Na década de 1980, as igrejas frequentadas pela população negra foram motivadas a encontrar soluções para o uso generalizado de crack e, portanto, alinharam-se à “Guerra às Drogas” da era Reagan como uma potencial solução ao problema. Mas, em todos os níveis, o sistema de justiça criminal é fortemente tendencioso contra a comunidade negra em comparação aos brancos; seja pela construção de perfis raciais à subsequentes prisões e sentenças. 2 Assim, a Guerra às Drogas tornou-se uma desculpa para o encarceramento em massa da população negra por toda a américa, acusados ​​por todo tipo de infrações relacionadas a drogas.

Além disso, há evidências de que os riscos da era inicial da pesquisa psicodélica (1950-1985) repousavam indevidamente nas costas dos afro-americanos e outras populações vulneráveis

Além disso, há evidências de que os riscos da era inicial da pesquisa psicodélica (1950-1985) repousavam indevidamente nas costas dos afro-americanos e outras populações vulneráveis. Em meu laboratório, examinamos esses primeiros estudos e comparamos o tratamento recebido por participantes brancos e negros. O Centro de Pesquisa sobre Vícios (Addiction Research Center – ARC), em Lexington KY, administrado pelo Dr. Harris Isbell, dividia o campus com o Departamento Federal de Prisões (Federal Bureau of Prisons). As pesquisas eram feitas com presidiários; compostos um terço por brancos, um terço por negros e um terço por “mexicanos”. Apesar de muitos já terem ouvido falar do “Estudo Tuskegee para sífilis não tratada ”, poucos sabem que a instalação era apelidada de “Fazenda da narcóticos” (“Narco Farm”).

Comunidade do Jardim Sagrado em Oakland: Bob Otis, Nicolle Greenheart e Kufikiri Imara

Um desses estudos descreve dois grupos que receberam o LSD; um grupo era formado por homens negros condenados por porte de drogas recrutados na prisão, e recebiam incentivos coercitivos, como doses de heroína, para participar de experimentos duvidosos com LSD. Já o outro grupo de comparação era formado por brancos que trabalhavam na Cold Spring Harbor, e viviam livremente, sem serem coagidos a participarem da pesquisa. Esse segundo grupo recebeu o LSD na casa do pesquisador chefe do estudo, “em condições sociais projetadas para reduzir a ansiedade”. 3 Conhecendo a profunda influência de variáveis como o meio, contexto das aplicações e intenção dos usuários na pesquisa psicodélica, garanto que as pessoas nesses dois grupos tiveram experiências muito diferentes.

Houve mais de 500 estudos publicados que saíram do ARC de 1935 a 1975, testando os limites da tolerância humana a psicodélicos, opiáceos e anfetaminas em prisioneiros. Os estudos do Dr. Isbell incluíram doses perigosamente altas e prolongadas de LSD em seus participantes. Na década de 1970, o ARC mudou-se para Baltimore e tornou-se o Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (NIDA), após uma proibição nacional do uso de prisioneiros federais em pesquisas desse tipo. Mas o NIDA nunca renunciou a esses estudos, embora eles tenham violado diretrizes bem estabelecidas da conduta ética em pesquisa biomédica (por exemplo, Código de Nuremburg, Declaração de Helsinque, Relatório Belmont).

Assim, considerando a pesquisa atroz conduzida em prisioneiros afro-americanos e o encarceramento em massa justificado pela guerra e pelas drogas, não é de se admirar que tantos negros estejam desinteressados ​​pela medicina psicodélica hoje. Eles podem não saber os detalhes dos crimes cometidos contra nós, mas, a memória cultural permanece. Apesar disso, espero que em algum lugar profundo da nossa consciência cultural ainda exista alguma memória sobre as valiosas tradições psicodélicas cultivadas por nossos ancestrais africanos e sobre os muitos dons da natureza que foram perdidos em algum lugar durante a travessia entre América do Norte e a África.

A cidade de Oakland, a leste de San Francisco, tem sido tradicionalmente um enclave afro-americano, embora ultimamente esteja passando por mudanças demográficas e gentrificação. Nicolle Greenheart é líder espiritual treinada da Sacred Garden Community em Oakland, onde trabalha com diversas comunidades dentro do espaço cerimonial de cura enteogênica. Nicolle também é co-fundadora do movimento Decriminalize Nature, organização sem fins lucrativos responsável pela descriminalização de plantas medicinais psicodélicas em Oakland.

o meu povo poderia se beneficiar desse tipo de terapia, mas está sendo deixado de fora do renascimento psicodélico que está ocorrendo

Tive o prazer de conhecer a Nicolle em uma recente visita à Bay Area, e fiquei impressionado com sua dedicação e compromisso com a cura psicodélica. Ela também entende a relutância da população negra em se envolver nesse trabalho. “Eu de certa forma concordava com a crença de que os psicodélicos eram apenas drogas de brancos hippies dos selvagens e loucos anos 60”, observou ela. “Elas definitivamente tinham um estigma para mim. Mas então, eu fiz minha pesquisa e comecei a trabalhar com o remédio, descobri por mim mesmo os benefícios de transformação e cura dessas substâncias. Também ficou muito claro para mim que o meu povo poderia se beneficiar desse tipo de terapia, mas está sendo deixado de fora do renascimento psicodélico que está ocorrendo.”

Os psicodélicos já eram usados ​​nos tempos bíblicos para ungir sacerdotes e reis, como também, já são usados ​​há milhares de anos em diversas culturas africanas

Muito tem sido escrito sobre o uso indígena de plantas medicinais no México e na América do Sul, mas os psicodélicos têm sido usados ​​em várias culturas e épocas. Os psicodélicos já eram usados ​​nos tempos bíblicos para ungir sacerdotes e reis, como também, já são usados ​​há milhares de anos em diversas culturas africanas. Durante a escravidão, as mulheres iorubás da África Ocidental  desempenharam práticas de cura utilizando seus conhecimentos de plantas medicinais derivadas da África. Atualmente, na Etiópia, acredita-se que todas as plantas possuam algum grau de utilidade medicinal, inclusive, essas plantas ocupam um lugar central no seu sistema de saúde tradicional. Muitas plantas são cultivadas e conservadas em hortas comunitárias sagradas, e também são plantadas por famílias que mantêm pequenas hortas caseiras. Isso inclui uma variedade de flora para fins medicinais e importantes medicamentos de plantas psicoativas que podem agir na cura de problemas psicológicos e até espirituais. 4

Ultimamente, tem havido muito interesse no arbusto de iboga, localizado na África Ocidental. O iboga é uma poderosa planta psicoativa e medicinal, sendo a principal fonte da ibogaína. Tem sido usado há séculos em cerimônias de cura e ritos culturais por comunidades tradicionais na África Ocidental; como por exemplo, entre os membros da religião Bwiti no Gabão, Camarões, Guiné Equatorial e Congo. 5 No Ocidente, descobriu-se que a ibogaína pode reduzir significativamente os sintomas de abstinência provocada pela dependência de opiáceos e ajuda a eliminar os desejos desse período. Essa descoberta resultou em vários ensaios clínicos importantes, ​​e prósperos centros internacionais de tratamento que utilizam a ibogaína para dependência de opiáceos – o presente da África para o mundo.

No sul da África, há uma confiança generalizada na ubulawu como remédio espiritual psicoativo, utilizado por grupos de povos  indígenas, como os xhosa e os zulu, para se comunicar com seus ancestrais e tratar distúrbios mentais. 6 A ubulawu, uma antiga preparação medicinal africana, é composta principalmente das raízes de várias plantas potentes que são moídas, passadas em uma infusão de água fria e depois batida para produzir uma espuma curativa. Cientistas ocidentais estão agora tentando descobrir como essa medicina tradicional africana pode conduzir o autoconhecimento e a capacidade intuitiva. Os bosquímanos de Dobe, em Botswana, usam a planta alucinógena kwashi ( Pancratium trianthum) para fins espirituais e de cura. Não se sabe quantas plantas psicodélicas podem ser encontradas na África, mas até 2002, mais de 300 plantas com usos psicoativos foram identificadas somente na África do Sul, 7 e muitas dessas plantas possuem propriedades psicodélicas.

nosso povo se beneficiou das plantas psicodélicas por anos

Há uma tradição tão rica de plantas medicinais na África que é claro que o nosso povo se beneficiou das plantas psicodélicas por anos. Na minha clínica de saúde mental em Connecticut, começamos a fornecer terapia psicodélica, culturalmente informada, como uma forma de tratar o trauma racial. Nós não temos acesso a nenhuma das nossas plantas medicinais ancestrais, e a maioria dos produtos químicos psicodélicos ainda não está disponível fora dos ensaios clínicos. Mas nós temos a ketamina, substância que tem se mostrado eficaz para o tratamento de certos problemas de saúde mental, podendo ser usada efetivamente na terapia psicodélica. Eu tenho falado com com diversas pessoas negras feridas por diversos golpes de discriminação que foram se acumulando ao longo da sua vida. Muitos têm medo dos medicamentos com propriedades psicodélicas e da vulnerabilidade que se sucede ao estar em um estado alterado. Sabemos que, certamente, esses tratamentos podem ser inseguros sem profissionais qualificados ou terapeutas atenciosos para orientais na jornada. Mas esses medicamentos fazem parte de nosso direito cultural de nascença e acredito que nós perdemos muito quando os recuamos e optamos por não nos envolver. É verdade que nem sempre foi seguro para nós, mas espero que possamos nos unir como uma comunidade, criar nossos próprios espaços seguros  e nos fortalecer, a fim de recuperar a cura psicodélica para nós mesmos, para os nossos entes queridos, e para a nossa comunidade.

Acredito ser com esse proposito que Nicolle Greenheart diz: “Agora é parte do trabalho da minha vida fazer o que posso para ajudar a educar meu povo e criar espaços seguros de cura para nós e por nós. Dado o clima cultural que vivemos hoje em dia e o trauma histórico que enfrentamos, realmente precisamos de espaços seguros para nos curarmos juntos e em comunidade.”

Nota: Este artigo foi extraído em parte de uma palestra proferida no evento Diversity, Equity, & Access in Psychedelic Medicine em 25 de fevereiro de 2020, como parte do Chacruna Institute Community Forum Series, em São Francisco, na Califórnia.

Arte de Mario Luna

Referências

  1. Michaels, TI, Purdon, J., Collins, A. & Williams, MT (2018). Inclusão de pessoas de cor na psicoterapia assistida por psicodélicos: uma revisão da literatura. BMC Psychiatry, 18 (245), 1–9. doi: 10.1186/s12888-018-1824-6
  2. Beckett, K., Nyrop, K., & Pfingst, L. (2006). Raça, drogas e policiamento: compreendendo as disparidades nas prisões por entrega de drogas. Criminologia, 44 (1), 105–137.
  3. Abramson, HA (1960). Dietilamida do ácido lisérgico (LSD-25). XXXI. Comparação por questionário de atividade psicotomimética de congêneres em indivíduos normais e viciados em drogas. Journal of Mental Science, 106 , 1120–1123.
  4. Doffana, ZD & Yildiz, F. (2017). Sítios naturais sagrados, fitoterapia, plantas medicinais e sua conservação em Sidama, Etiópia. Cogent Food & Agriculture, 3 (1), 1365399. doi: 10.1080/23311932.2017.1365399.
  5. Brackenridge P. (2010). Terapia com ibogaína no tratamento da dependência de opiáceos. Drugs & Alcohol Today, 10 (4), 20–25. doi: 10.5042/daat.2010.0724
  6. Sobiecki, J. (2012). Medicamentos espirituais psicoativos Ubulawu e dinâmicas de cura no processo de iniciação de adivinhos Bantu do Sul. Journal of Psychoactive Drugs, 44 (3), 216–223.
  7. Sobiecki, JF (2002). Um inventário preliminar de plantas usadas para fins psicoativos nas tradições de cura da África Austral. Transações da Royal Society of South Africa, 57 (1–2), 1–24.

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