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Outro aspecto da realidade: a influência de Maria Nys Huxley na história psicodélica

Maria Nys Huxley foi uma participante ativa na cultura psicodélica do século XX. Embora a maior parte de seu trabalho tenha sido nos bastidores, ela contribuiu para o sucesso da carreira de Aldous Huxley.

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Andrea Ens es estudiante de doctorado en Historia en la Universidad Purdue. Sus intereses de investigación incluyen ampliamente la historia de la sexualidad, la psicología y los psicodélicos en la América del Norte del siglo XX.


O clássico livro de Aldous Huxley, lançado em 1954, “The Doors of Perception“, é um dos textos mais famosos na história dos psicodélicos. Neste livro, Aldous descreve sua primeira experiência com a mescalina ao lado do Dr. Humphry Osmond, em maio de 1953, e destaca o importante componente místico de sua experiência psicodélica. Muitas pessoas veem esse livro como fundamental para o desenvolvimento dos interesses científicos e contraculturais americanos em relação aos psicodélicos. O que muitas pessoas não sabem, ou não percebem, é que uma terceira participante também estava presente: Maria Nys Huxley, primeira esposa de Aldous.


Maria Nys Huxley

Maria Nys Huxley, em outubro 1934.

Os amigos, familiares e pessoas próximas a Maria, a descreviam consistentemente como uma mulher encantadora e extravagante, que se preocupava profundamente com seu marido, chegando, muitas vezes, ao ponto de colocar o bem-estar e o sucesso dele acima dos seus próprios. A refugiada belga tinha dezessete anos quando conheceu Aldous, em 1915, enquanto morava em Garsington Manor, perto de Oxford, na Inglaterra. O casal se casou em 1919 e teve seu filho, Matthew, no ano seguinte. Em 1937, a família Huxley se mudou para Hollywood, Califórnia. A tendência de Maria em cuidar excessivamente Aldous continuou até seu falecimento, em 12 de fevereiro de 1955, em decorrência de câncer de mama.

Mas, Maria não era apenas a esposa de Aldous. Ela foi uma pioneira psicodélica por mérito próprio. Ela teve um papel fundamental como participante direta de uma das mais famosas experiências com drogas da história dos Estados Unidos, contribuindo significativamente para a visão de seu marido sobre psicodélicos e seu crescimento profissional. Além disso, seu impacto se estendeu às dimensões artísticas, intelectuais e culturais da cultura psicodélica na América do pós-guerra, influenciando-as de maneira significativa.

Ela foi uma pioneira psicodélica por mérito próprio.

Uma grande parte do sucesso profissional de Aldous em seus trinta e cinco anos de casamento com Maria foi, de fato, impulsionada por suas ações. Maria, por exemplo, gerenciava uma grande parte da correspondência de Aldous, atuava como sua datilógrafa e secretária, organizava festas em casa que lhe permitiam estabelecer contatos com pensadores, artistas, escritores e cientistas proeminentes. Além disso, ela cuidava de sua saúde frequentemente fragilizada, o que envolvia gerenciar sua dieta, realizar compras de medicamentos e acompanhá-lo em consultas médicas. Grande parte dessas responsabilidades teria sido ainda mais desafiadora, senão impossível, para Aldous devido à sua visão deficiente.


Uma Esposa Americana

As vivências de Maria como esposa refletiam a realidade de muitas mulheres americanas no pós-guerra. É, portanto, importante reconhecer de forma breve as expectativas de gênero às quais Maria estava sujeita ao participar da cultura psicodélica dos Estados Unidos e da sociedade em geral, apesar de os Huxleys se considerarem expatriados europeus. Após a Segunda Guerra Mundial, muitos americanos buscavam no lar uma fonte de conforto e estabilidade em meio a essa era caótica. A crença predominante era de que os lares mais estáveis eram os formados por famílias nucleares patriarcais, com o pai como provedor trabalhando fora de casa e a esposa submissa responsável pela criação dos filhos e pelas tarefas domésticas. Até mesmo as populares teorias psicanalíticas de Sigmund Freud baseavam-se na ideia de que os homens eram os líderes adequados da civilização e que o papel da mulher era apoiar – e não desafiar – essas hierarquias sociais.

No entanto, nem todo o trabalho de Maria era simplesmente feito em benefício de seu marido. Suas festas em casa são um bom exemplo desse ponto. Maria era responsável pelas listas de convidados desses eventos. Alguns nomes notáveis das suas festas incluíam, por exemplo, Christopher Isherwood, Jiddu Krishnamurti, Anita Loos e Edwin Hubble. Mas, ao convidar pessoas ilustres para sua casa – e ao filtrar aqueles que ela sentia que ela e Aldous não teriam interesse em conhecer – Maria demonstrava um nível de controle sobre a rede de contatos profissionais de Aldous e também criava oportunidades para ela mesma aprender e educar especialistas em diversas áreas. A posição de Maria em sua família permitiu que ela contribuísse de maneiras inesperadas para as dimensões intelectuais da cultura psicodélica no pós-guerra.

A posição de Maria em sua família permitiu que ela contribuísse de maneiras inesperadas para as dimensões intelectuais da cultura psicodélica no pós-guerra.



A Influência de Maria

As ideias de Maria sobre psicodélicos também influenciaram o conteúdo do livro “The Doors of Perception’s” e as ideias científicas sobre os efeitos da mescalina. O livro de Aldous descreve as diferenças entre a loucura esquizofrênica sustentada e a loucura temporária que alguém pode experimentar por meio dos psicodélicos. “O esquizofrênico é como um homem permanentemente sob a influência da mescalina”, escreve Aldous, “e, portanto, incapaz de desligar a experiência de uma realidade com a qual ele não é suficientemente santo para conviver”.

Arte de Mário Luna.

Essa compreensão dos diferentes tipos de loucura ecoa as reflexões de Maria, conforme expressas em uma carta enviada a Humphry Osmond em 21 de julho de 1953 (no ano anterior à publicação de “The Doors of Perception’s”). Maria afirma que “A diferença entre a loucura real e a loucura induzida é, tenho certeza, que na loucura real o medo é ‘Vai piorar? Vai parar?’, enquanto no uso de mescalina você está lá para nos lembrar, o que nunca esqueci, que foi induzido artificialmente, que há um limite de tempo e que não afetará permanentemente”. Osmond respondeu entusiasticamente às observações de Maria nesta carta, pedindo-lhe imediatamente para escrever mais sobre sua própria experiência com mescalina. Ele reconheceu que suas opiniões refletiam as principais compreensões científicas dos efeitos dessa droga, compartilhadas pelos seus colegas.

Elas também refletiam “outro aspecto da realidade”, escreve Osmond em uma carta de resposta, que era “tão importante quanto o de Aldous do ponto de vista do que revela”. Osmond estava especialmente interessado em como Maria poderia comparar a “loucura da mescalina” com os tipos de loucura que ela supostamente havia experimentado sob a influência do medicamento antimalárico Atabrina. Não sabemos se Maria escreveu uma resposta, mas é evidente que ela era considerada uma pensadora independente e participante importante nessas primeiras discussões sobre o poder dos psicodélicos em imitar a loucura.

A contínua exclusão de Maria dessas narrativas históricas revela uma relutância mais ampla em reconhecer a participação das mulheres nos espaços psicodélicos até os dias atuais.

Infelizmente, é difícil saber o que Maria mesma poderia ter pensado sobre suas contribuições para a história psicodélica. Um incêndio em 1961 destruiu a casa dos Huxleys em Hollywood, e entre os itens perdidos nas chamas estavam todos os diários e cartas de Maria que Aldous havia guardado ao longo dos anos. Apenas cinco cartas de Maria sobreviveram. No entanto, mesmo assim, a falta de registros não explica totalmente por que Maria Nys Huxley tem sido amplamente ignorada nas discussões sobre os “pioneiros psicodélicos” do meio do século XX. Embora as políticas de gênero do pós-guerra possam ter contribuído para sua ausência inicial nas primeiras histórias da cultura psicodélica, a contínua exclusão de Maria dessas narrativas históricas revela uma relutância mais ampla em reconhecer a participação das mulheres nos espaços psicodélicos até os dias atuais.

Arte da capa por Mariom Luna.

Artigo publicado originalmente no Chacruna Institute.

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