Marcelo Leite
Marcelo Leite es un periodista científico brasileño. Actualmente escribe el blog Virada Psicodélica. Su libro "Psiconautas - Viajes con la ciencia psicodélica brasileña" salió a la venta en mayo de 2021.
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Marcelo Leite é jornalista científico brasileiro. Atualmente escreve o blog Virada Psicodélica. Seu livro “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” foi lançado em maio de 2021.
Sou um jornalista científico brasileiro, colunista do jornal Folha de São Paulo, e tenho feito reportagens sobre psicodélicos há mais de quatro anos (escrito em 2021). Evidentemente sou um novato na área, ou talvez eu deva dizer, um retardatário.
Eu estava prestes a completar 60 anos e já era avô de duas lindas crianças quando percebi que havia um terreno fértil para jornalistas científicos no Brasil. Antes disso, eu havia passado quatro décadas editando e escrevendo principalmente sobre biologia molecular, o Projeto Genoma Humano, culturas geneticamente modificadas, mudanças climáticas e ecologia – especialmente o papel da floresta amazônica em um planeta em aquecimento.
Tudo começou com a conferência Psychedelic Science 2017 em Oakland. No início, o título parecia um oximoro, algo como uma festa em que hippies e cientistas nerds não conseguiam chegar a um acordo sobre que tipo de música tocar. Mas então deixei de lado as ideias preconcebidas e dei uma olhada no programa. A curiosidade foi mais forte do que o preconceito, como é exigido de um jornalista.
Foi então que me deparei com os nomes de pesquisadores brasileiros que eu já conhecia e respeitava: Sidarta Ribeiro e Stevens Rehen. Nossa, deve ser sério. Liguei para o Sidarta, que eu conhecia há mais de 15 anos como neurocientista renomado e autor do livro O oráculo da noite: A história e a ciência do sonho. Ele me incentivou a participar e me colocou em contato com Bia Labate, chefe da seção de Plantas Medicinais da conferência.
Ela me ajudou a conseguir um crachá de repórter para a reunião e me lembrou de que havíamos sentado juntos como candidatos a doutorado na Universidade de Campinas, talvez há uns 15 anos. A direção da Folha concordou em me enviar a Oakland para cobrir a conferência, provavelmente motivada pelo som um tanto inusitado do termo “ciência psicodélica”.
É preciso entender que as pessoas da minha idade – e havia algumas pessoas de meia-idade na sala de redação – não são estranhas aos psicodélicos, pois cresceram nos anos sessenta e setenta. Eu mesmo experimentei LSD quando tinha 15 anos, mas era muito caro para um adolescente com pouca renda. A maconha era muito mais barata, mas me deixava um pouco paranoico, então desisti dela. Com exceção do álcool e da cafeína, as substâncias psicoativas desapareceram da minha vida.
Para os adolescentes daquela época turbulenta, tudo se resumia a prazer, entretenimento e crescimento pessoal. Ninguém tinha ouvido falar da ciência psicodélica, muito menos eu. Sem que eu soubesse, estudos com LSD estavam sendo realizados no tradicional Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Logo seríamos bombardeados com o oposto da ciência: pura propaganda, supostamente de laboratórios americanos, sobre os perigos dos psicodélicos para o cérebro, bad trips infinitas, episódios psicóticos, pessoas pulando de janelas e todas essas coisas.
Naquela época foi um choque para mim ver Rick Doblin, Roland Griffiths, Amanda Feilding, David Nutt, Jordi Riba e outros, fazendo apresentações em Oakland sobre testes clínicos com compostos como MDMA, psilocibina, ayahuasca… incrível. Sidarta me apresentou aos pesquisadores brasileiros Dráulio de Araújo e Luís Fernando Tófoli na conferência, e foi então que fiquei sabendo que em meu próprio país havia sido realizado um ensaio clínico aleatório (ECA) com ayahuasca para tratar depressão resistente ao tratamento; possivelmente foi o primeiro ECA em muitos anos com um grupo placebo para medir o potencial de uma substância psicodélica para tratar a depressão, e eu não tinha conhecimento disso.
Que vergonha para um jornalista científico. Lá, decidi que tinha de informar sobre o chamado Renascimento Psicodélico aos leitores brasileiros. Era importante demais para ser ignorado.
Antes de entrar em meu trabalho jornalístico, que acabou levando à publicação do livro Psiconautas: Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira em maio passado, algumas palavras sobre a importância crucial das pessoas em meu trabalho jornalístico.
Os jornalistas contam histórias, e os jornalistas científicos contam histórias sobre descobertas; tanto as descobertas dos pesquisadores quanto as nossas próprias descobertas. Se não fosse por pessoas como Sidarta, Stevens, Draulio, Tófoli e Bia, eu nunca teria me deparado, no momento certo, com a redescoberta dos psicodélicos.
Não é coincidência que esses cinco indivíduos tenham um papel de destaque no livro. Eles pertencem ao primeiro grupo de personagens principais da narrativa, que se concentra na pesquisa brasileira com psicodélicos. Sempre serei grato a eles por terem me mostrado o caminho.
Em Oakland, no entanto, eu ainda não tinha tido a oportunidade de conhecer pessoalmente outros protagonistas da história que logo seria contada: os sujeitos da pesquisa, as pessoas que estavam se beneficiando dos poderes curativos dessas plantas e compostos. Fiquei muito emocionado com o vídeo com o veterano de guerra Nick Blackston que foi exibido na conferência, mas conversar pessoalmente com um paciente é algo totalmente diferente.
Comecei a organizar isso após meu retorno ao Brasil. Fui várias vezes a Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, no ensolarado nordeste do Brasil, para gravar entrevistas com voluntários que haviam participado do ECA de ayahuasca realizado no Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Conversei com viciados que obtiveram bons resultados com a ibogaína em clínicas que trataram mais de 6.000 pacientes em um quarto de século (é legal importar a medicina de origem africana para o Brasil, caso a caso). Tentei me encontrar com um dos três pacientes com TEPT tratados com MDMA por Eduardo Schenberg, mas não consegui falar com eles a tempo de cumprir o prazo. Por fim, me voluntariei para um estudo com LSD.
A autoexperimentação, a propósito, é o terceiro ramo da narrativa do livro, depois dos pesquisadores e dos pacientes, e na verdade começou também em Oakland. Fui convidado para uma festa particular em que o MDMA estava disponível. Depois de uma breve hesitação, mergulhei de cabeça. Foi uma boa decisão.
A experiência mudou completamente a história que eu estava prestes a escrever para a Folha. Até aquela noite, eu só tinha dados, muitos dados, artigos publicados e entrevistas com cientistas – o pão e a manteiga dos jornalistas científicos. De repente, eu havia aprendido em primeira mão o que um empatógeno era capaz de fazer na mente e, portanto, tinha uma compreensão muito melhor de como ele poderia beneficiar pessoas com TEPT.
Basta dizer que conversei apaixonadamente, talvez por uma hora ou mais, com uma jovem que eu nunca tinha visto antes, expondo diante dela todo o amor que sentia por minha esposa, filhas e netos. Ela devia ser uma terapeuta, pois ouviu pacientemente o longo monólogo sem me interromper.
A experiência se tornou uma parte importante da minha história e foi um sucesso. As pessoas da redação procuravam o vovô para falar sobre drogas. Isso não é incrível? É um pouco estranho, porém, que a autoexperimentação de um repórter atraia tanta atenção. Desde então, tenho repetido em várias entrevistas sobre o livro que esse é apenas um dos três principais ingredientes da narrativa, e o menos importante. Os pesquisadores e as pessoas que sofrem ou são curadas vêm em primeiro lugar, ou deveriam vir em primeiro lugar. Mas há uma política entre eles e os psicodélicos, já que o proibicionismo dificulta demais o avanço das pesquisas sobre um tema de saúde tão frutífero.
Nesse sentido, escrever sobre psicodélicos é muito parecido a escrever sobre mudanças climáticas e florestas tropicais: muitos leitores, especialmente os mais conservadores, imediatamente te rotularão de ativista. Isso pode ser muito prejudicial para a reputação de um jornalista e, mais importante, pode impedir que parte do público leia sobre o que todos deveriam estar lendo. Afinal de contas, os transtornos afetivos não causam sofrimento apenas às pessoas afins às ideias liberais.
A proibição não vai desaparecer se não conseguirmos convencer os eleitores e formadores de opinião conservadores dos benefícios à saúde que essas plantas e substâncias prometem trazer. É verdade que o Brasil ainda não chegou lá. Aqui não temos nenhuma regulamentação que permita nem mesmo o cultivo de maconha para extração de CBD, muito menos o uso adulto de cannabis medicinal e psicodélicos (escrito em 2021).
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Por outro lado, a ayahuasca é legal no país, o que facilita muito a pesquisa com a ayahuasca. Cogumelos mágicos, cactos San Pedro e peiote podem ser comprados online, embora as substâncias psilocibina e mescalina sejam proibidas. Os cogumelos Psilocybe secos são rotulados como impróprios para consumo humano, o que é engraçado. O Brasil está uma bagunça.
De qualquer forma, minha abordagem ao debate político não é evitá-lo, como alguns jornalistas científicos prefeririam, mas sim ater-me à ciência. É fundamental explicar ao público em geral que a maioria dos psicodélicos não satisfaz as condições para ser classificados como substâncias de Lista 1: as pessoas precisam saber que eles geralmente são seguros para uso adulto, têm baixo potencial de dependência e têm aplicações médicas.
Como comentário final, vale a pena mencionar que eu era ateu antes de me converter aos psicodélicos e continuei assim depois de quatro empolgantes anos de reportagens sobre eles. Como não sou defensor nem crente, não vejo vantagem em misturar abordagens científicas e místicas ao explicar o efeito e os benefícios dos psicodélicos para a saúde mental ou o crescimento pessoal.
Respeito todos os círculos em que essas substâncias estão inseridas em um âmbito religioso ou contexto cultural, é claro.
Não é preciso ser um ativista para rejeitar o patenteamento do que algumas pessoas consideram plantas sagradas, usadas há séculos ou milênios por povos tradicionais. Isso simplesmente não faz sentido como política; talvez apenas para a Compass Pathways e a Atai Life Sciences. A expropriação que fazem de conhecimentos prévios, tanto tradicionais quanto científicos, deve ser denunciada.
Levando tudo isso em consideração, não acredito que os tons místicos sejam necessários ou úteis para tornar aceitáveis a pesquisa e a regulamentação dos psicodélicos. Isso é muito polêmico e divide opiniões. Sinceramente, tive experiências estéticas profundamente edificantes com cogumelos e LSD, especialmente em ambientes naturais. No entanto, eu discordaria das descrições do que considero fenômenos neurológicos como “místicos”, porque minha visão de mundo não tem espaço para realidades, entidades ou domínios separados aos quais os psicodélicos supostamente dariam acesso privilegiado. No entanto, eu aceitaria chamá-las de experiências espirituais, em oposição a egoístas, algo que aprendi com Michael Pollan: longe do ego, não tanto do mundo material. Acredito em moléculas, circuitos neurais e redes cerebrais.
Eu disse que a estrutura religiosa ou mística é muito controversa; também é preciso reconhecer que a própria ciência se tornou controversa e divisória nos últimos tempos. Veja o que aconteceu com as vacinas e máscaras durante a pandemia da COVID-19, todas as notícias falsas bizarras que circulam nas mídias sociais, apesar do que a ciência tem a dizer sobre isso. Há muitos motivos para criticar e até mesmo desconfiar de instituições científicas dirigidas quase exclusivamente por homens brancos como eu (bem, talvez não tão brancos, mas certamente privilegiados). Mas pelo menos a minha ideia de ciência mantém viva a promessa de um conhecimento com mecanismos de auto-correcção, objetivo e verificável, e de um terreno comum onde diferentes vertentes de opinião e crença possam se encontrar para decidir o que é melhor para todos nós.
A ciência, as pessoas e as políticas são o caminho para o progresso. E um pouco de autoexperimentação também não faz mal.
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Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do Chacruna Institute.
Tradução de Paula Bizzi Junqueira.
Arte da capa de Trey Brasher.