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Masculinidades Psicodélicas: como desafiar o Poder, a Violência e o Privilégio em nossa sociedade

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Gabriel Amezcua
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Eu não acho que seja ingênuo dizer que as substâncias psicodélicas têm ajudado a construir masculinidades mais sensíveis ao nosso meio e mais empáticas com os outros.

Não há dúvida de que o crescente interesse pelo uso de substâncias psicodélicas desencadeou uma onda de atitudes cada vez mais críticas ao modo de vida neoliberal e aos sistemas sociais que o abrigam, onde o patriarcado é uma das suas grandes preocupações. Caracterizado por atitudes de dominação, extrativismo e competição, os aspectos negativos do patriarcado como sistema social tornam-se mais evidentes na perspectiva de uma pessoa sob os efeitos da intensa sensibilidade dos psicodélicos. Não é à toa, então, que muitos dos grupos das chamadas “novas masculinidades” que tenho conhecido são formados, em sua maioria, por pessoas que usam ou já usaram essas substâncias. Eu não acho que seja ingênuo dizer que as substâncias psicodélicas têm ajudado a construir masculinidades mais sensíveis ao nosso meio e mais empáticas com os outros.

No entanto, apesar disso, a comunidade psicodélica é assolada por escândalos que envolvem denúncias de abuso físico e mental perpetrados por líderes espirituais e pesquisadores. Longe de serem mais sensíveis ou empáticos, alguns homens até parecem construir noções de próprias de orgulho que fomentam versões sexualizantes e abusivas de si mesmos. Por esse motivo, falar sobre masculinidade e comportamentos patriarcais dentro do movimento psicodélico se tornou mais necessário do que nunca, assim como falar sobre possíveis estratégias para contornar seus danos por meio de abordagens autocríticas e construtivas em relação à masculinidade.

Em resposta ao que alguns podem chamar de crise global de masculinidade, tornou-se cada vez mais comum nos últimos anos ouvir falar sobre movimentos de novas masculinidades, também chamados por alguns de “masculinidades saudáveis” ou “masculinidades conscientes”.

Em resposta ao que alguns podem chamar de crise global de masculinidade, tornou-se cada vez mais comum nos últimos anos ouvir falar sobre movimentos de novas masculinidades, também chamados por alguns de “masculinidades saudáveis” ou “masculinidades conscientes”. Esses grupos buscam se tornar um movimento de homens não hegemônicos que se propõe a se desenvolverem em oposição às tóxicas, dominantes e violentas masculinidades. Embora sua existência remonte à sociologia igualitária dos anos 60 e 70, hoje, existem múltiplas abordagens e perspectivas. No geral, esses grupos carecem de coesão e representam um vasto terreno de opiniões contraditórias que não conseguiram gerar uma organização coletiva ou força suficiente para transformar uma realidade comum. No entanto, neste momento, essas ideias promissoras também fornecem diferentes caminhos possíveis ao longo dos quais o movimento pode eventualmente percorrer.

Como antropólogo, encontrei nos grupos de masculinidades tanto um local para coleta de material para minha pesquisa etnográfica, quanto um espaço para aprender e refletir sobre o que significa ser (ou não ser) um homem. Meu primeiro grupo de masculinidades surgiu no México, em um ambiente de profissionais de direitos humanos e ativistas, orientados para questões de sexualidade e igualdade de gênero. Nosso interesse se concentrou principalmente na autocrítica e na desconstrução de certas atitudes violentas que nos eram internalizadas. Foi doloroso e muitas vezes desconfortável, mas crescemos através da compreensão das formas inconscientes pelas quais exercemos o patriarcado em nossas vidas diariamente. O nosso grupo foi construído por meio de dinâmicas em que compartilhamos vivências e círculos de mediação, onde expressamos nossa dor, admitindo nossas frustrações e denunciando nossos próprios comportamentos sexualizantes ou violentos, buscando entre nossos pares conselhos que pudessem nos ajudar a curar e melhorar nossa prática da masculinidade. 

No México, também conheci a organização global Men Engage. Esta é uma rede de masculinidades cujo principal objetivo é denunciar a maneira no qual os papéis masculinos são roteirizados com violência. A organização lança um olhar crítico sobre como a violência é esperada dos homens, ao mesmo tempo em que eles também são rejeitados por causa dela, e como essa dinâmica afeta todos os aspectos de suas vidas, desde as relações interpessoais até a política. Quando me mudei para a Europa, eu fui convidado a participar de outro grupo de masculinidade. Fiquei animado e motivado ao ver que o movimento se tornou global e estava mudando homens em todo o mundo. No entanto, certamente fiquei confuso com a grande diferença que experimentei entre as perspectivas adotadas. Eu reconheço a importância dos grupos que encontrei até agora, mas acho que a compreensão do conflito e, portanto, a direção tomada, decorrem de abordagens culturais muito distintas.

Essas novas experiências são compostas principalmente por homens de classe média, brancos e ocidentais, que se reúnem para homenagear a “masculinidade sagrada”, falando sobre o direito de ser vulnerável e lembrando que a masculinidade pode ser bela e emocional. Retiros com nomes cativantes, como “Sabedoria Rebelde”, “O Despertar Masculino” ou “O Novo Programa Masculino”, estão repletos de comida ayurvédica, técnicas de aprimoramento da sexualidade e dinâmicas de convivência que muitas vezes apontam para a perda do medo de se mostrar vulnerável a outros homens . Afinal, é verdade que um dos problemas que muitas vezes experimentamos dentro da masculinidade é a nossa dificuldade em compartilhar nossos sentimentos. No entanto, acho ingênuo acreditar que esse é o principal problema da masculinidade.

Antes de prosseguir, gostaria de ressaltar que não quero deslegitimar essas ideias: realmente acredito que é importante falar sobre a capacidade masculina de ser vulnerável e criar espaços seguros onde possamos ser solidários uns com os outros e compartilharmos nossas emoções. Porém, a desconstrução do patriarcado exige muito mais do que construir um altar para homens emotivos e empáticos. O trabalho de construção de novas masculinidades exige um confronto sincero com os desequilíbrios de poder entre homens e mulheres, sem nos sentirmos incomodados em explorar o fato de que existem lugares dentro de nós, a partir dos quais, exercemos poder sem ter plena consciência disso. Também exige que sejamos honestos sobre como exercemos controle e privilégio por sermos homens e, acima de tudo, requer um trabalho de desconstrução das atitudes patriarcais que normalizamos em nossa vida diária: extração, projeção, competitividade, colonização, dominação, etc.

Como no movimento psicodélico, os novos grupos de masculinidade – e mais ainda, os grupos dos chamados “homens feministas” – estão repletos de escândalos de abuso sexual e comportamentos inadequados em relação às mulheres.

Como no movimento psicodélico, os novos grupos de masculinidade – e mais ainda, os grupos dos chamados “homens feministas” – estão repletos de escândalos de abuso sexual e comportamentos inadequados em relação às mulheres. Claramente, pertencer a um desses grupos não garante uma evolução imediata em direção a melhor versão de nós mesmos. Acho importante destacar isso. Da mesma forma, acho importante parar de se apegar de forma tão sensível em torno de  conceitos como a “masculinidades tóxicas”. No final, não é absurdo dizer que o patriarcado é tóxico, o colonialismo ocidental é tóxico e o consumismo capitalista é tóxico. Essas são as manifestações de compulsões e desejos que, como sociedade, devemos aprender a reconhecer, limitar e, eventualmente, dissolver. Da mesma forma, as masculinidades tendem a comportamentos tóxicos que nós, como homens, temos que aprender a reconhecer, limitar e dissolver, com o objetivo de equilibrar o poder entre homens e mulheres, bem como eliminar a violência intrínseca da masculinidade guerreira. 

Os grupos de novas masculinidades que se concentram em gerar uma melhor autopercepção da masculinidade a partir da simpatia fraterna entre os homens me parecem úteis como grupos de autoajuda, mas não necessariamente eficazes na criação de masculinidades socialmente conscientes e responsáveis. É importante destacar a diferença de abordagem entre as novas masculinidades, cujo objetivo é a igualdade de gênero e a desconstrução do patriarcado, e as novas masculinidades que buscam redefinir a identidade masculina por meio da sensibilidade e da perda da raiva. Enquanto a primeira abordagem explora os privilégios e fardos que advêm de ser um homem na sociedade, a outra procura melhorar a capacidade de expressão emocional e a forma de relacionar-se entre si, através de abordagens terapêuticas quase espirituais. Ambas as abordagens têm objetivos válidos. No entanto, apenas a primeira realmente permite uma autocrítica sincera, ao colocar no foco da análise os problemas que giram em torno da masculinidade. Além disso, é relativamente comum que esta abordagem fira as “sensibilidades masculinas”; justamente porque não é fácil admitir que fazemos parte do problema quando exercemos nossos privilégios.

As lições que eu aprendi nos novos movimentos de masculinidades que participei parecem ter muito em comum com as lições que devemos aprender na comunidade psicodélica. Se compreendemos algo nos últimos anos é que, embora a experiência psicodélica tenha um imenso potencial transformador, capaz de produzir imersões espirituais e maior empoderamento, isso não é, no entanto, imediatamente sinônimo de “seres humanos melhores”. Como mencionado antes, existem muitos casos de autoproclamados líderes e xamãs que, independentemente do número de experiências psicodélicas acumuladas, persistem em reproduzir comportamentos de abuso, arrogância e dominação. Ou seja, comportamentos primordialmente patriarcais.

Se compreendemos algo nos últimos anos é que, embora a experiência psicodélica tenha um imenso potencial transformador, capaz de produzir imersões espirituais e maior empoderamento, isso não é, no entanto, imediatamente sinônimo de “seres humanos melhores”.

As lições que eu aprendi nos novos movimentos de masculinidades que participei parecem ter muito em comum com as lições que devemos aprender na comunidade psicodélica. Se compreendemos algo nos últimos anos é que, embora a experiência psicodélica tenha um imenso potencial transformador, capaz de produzir imersões espirituais e maior empoderamento, isso não é, no entanto, imediatamente sinônimo de “seres humanos melhores”. Como mencionado antes, existem muitos casos de autoproclamados líderes e xamãs que, independentemente do número de experiências psicodélicas acumuladas, persistem em reproduzir comportamentos de abuso, arrogância e dominação. Ou seja, comportamentos primordialmente patriarcais.

Independentemente da intensidade da imersão espiritual, os psicodélicos não garantem a reflexão crítica. Embora elas definitivamente facilitem a abertura de portas para a auto-reflexão, sem trabalhamos seriamente na análise de nossas compulsões, nossos medos e nossa raiva, a experiência psicodélica corre o risco de permanecer uma mera apreciação estética de estados alterados de consciência, sem necessariamente mudar a forma como nós exercitamos essa consciência. Fazer parte de grupos que destacam a experiência espiritual e facilitam a expressão humana pode ser usado como uma forma de “maquiagem” consciente, ou o que a autora, e acadêmica, Mônica Emerich chama de “lavagem espiritual”, por meio da qual as pessoas assumem um estado de evolução pessoal apenas porque participam de dinâmicas ou compram produtos que têm a marca da “consciência espiritual”. As cerimónias com plantas sagradas e com dinâmicas afetivas de grupo tornam-se aparentes garantidoras de uma melhor qualidade humana, mas, com a falta de conteúdo autocrítico, mudanças duradouras são improváveis.

As masculinidades psicodélicas, assim como outros movimentos de masculinidades, precisam manter posturas autocríticas e desconstrutivas em relação aos comportamentos patriarcais, consumistas, extrativistas, colonialistas e neoliberais que têm colocado em risco a integridade de centenas de culturas indígenas, do meio ambiente e do direito das mulheres de viverem em uma sociedade igualitária. Caso contrário, eles se tornam simples espaços para nos sentirmos melhores sobre nós mesmos e nossa realidade imediata. Essa reflexão não se limita apenas às masculinidades, embora, em termos de privilégio e violência, tenhamos muito o que trabalhar. Minha maneira de perceber um movimento psicodélico verdadeiramente responsável é aquele em que usa as substâncias psicodélicas para um trabalho pessoal que questiona nossos privilégios e preconceitos. Se somos brancos, devemos dar espaço para refletir sobre nosso privilégio racial e meditar sobre como podemos fazer parte de uma descolonização efetiva. Se temos dinheiro suficiente, devemos permitir um espaço para análise crítica de nossos privilégios de classe e refletir sobre como podemos ajudar a gerar novos modos de existência sustentáveis. Se somos homens, é nossa responsabilidade admitir nosso privilégio de gênero e nos submeter a uma auto análise crítica para diminuir nossos comportamentos violentos, machistas e competitivos, visando a construção de sociedades verdadeiramente igualitárias.

Usar substâncias psicodélicas para curar a nós mesmos e nossa sociedade também requer nosso compromisso de trabalhar e mudar todos os comportamentos que exercemos enquanto privilegiados.

Usar substâncias psicodélicas para curar a nós mesmos e nossa sociedade também requer nosso compromisso de trabalhar e mudar todos os comportamentos que exercemos enquanto privilegiados. Querendo ou não, todo processo de cura e evolução traz seus próprios sacrifícios. E um dos maiores sacrifícios é, sem dúvida, a análise crítica, reflexiva e às vezes dolorosa, daqueles aspectos de nós mesmos que nos permitem exercer poder sobre os outros.

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