Erika Dyck, Ph.D. (Historia), es profesora de la Universidad de Saskatchewan y Cátedra de Investigación de Canadá en Historia de la Salud y la Justicia Social. Erika también es parte de la Junta Directiva de Chacruna y presenta la serie “Women in the History of Psychedelic Plant Medicines".
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Erika Dyck, Ph.D. (História), é professora da Universidade de Saskatchewan e titular da Cátedra de Pesquisa do Canadá em História da Saúde e Justiça Social. Erika também faz parte do Conselho de Administração do Chacruna e apresenta as duas séries "Women in the History of Psychedelic Plant Medicines" e "Global History of Psychedelics".
O conceito de justiça social está conosco há mais de cem anos. Ele surgiu inicialmente no século XIX entre os trabalhadores insatisfeitos na Europa, frustrados por fornecerem mão de obra, suor e energia bruta, mas sem conseguirem compartilhar dos lucros da industrialização. Eles abriram mão de seus corpos e mentes para buscar uma vida e um futuro melhor, porém, em troca, sentiram o crescente fosso da desigualdade de renda e o ferrão de sistemas discriminatórios que restringiam seu acesso à educação, saúde e justiça. Notoriamente, as queixas experimentadas por essa classe, que se expandia em todo o mundo, explodiram em diversas demonstrações de ações coletivas que geraram um compromisso ideológico com a igualdade.
No século 21, a justiça social se desenvolveu para além de suas raízes na classe trabalhadora e evoluiu para abraçar maneiras mais diversificadas de se entender a marginalização, a discriminação e as desigualdades que vão além das disparidades econômicas.
No século 21, a justiça social se desenvolveu para além de suas raízes na classe trabalhadora e evoluiu para abraçar maneiras mais diversificadas de se entender a marginalização, a discriminação e as desigualdades que vão além das disparidades econômicas. Os defensores da justiça social de hoje reconhecem um conjunto mais complexo de estruturas e sistemas que produzem desigualdades ao abordar o sexismo, o racismo, o capacitismo, o capitalismo e o colonialismo, ao lado da homofobia, transfobia, racismo ambiental, abuso sexual e destruição ecológica. Esses ativistas confrontam e rejeitam um conjunto de sistemas e atitudes que perpetuam essas desigualdades.
Apesar da mudança de tom nas revoltas históricas dos trabalhadores, a ação coletiva permanece na vanguarda do trabalho pela justiça. Mas esse tipo de ação mostra sua complexidade quando avaliamos a interseccionalidade da injustiça no mundo de hoje. Ou seja, como priorizar uma lista crescente de desigualdades, e principalmente, quando saber que desviar o foco de uma questão, para se concentrar em outra, pode causar divisões? As desigualdades de renda são mais prioritárias do que as preocupações ambientais? Ou será que devemos nos concentrar primeiro no racismo estrutural? Esses objetivos não são necessariamente opostos, mas as energias podem ser desviadas pelo número de ações coletivas em larga escala. Como os autores do livro Psychedelic Justice, toward a diverse and equitable psychedelic culture nos mostram habilmente, o trabalho de justiça social no século 21 é vital – e também é muito complicado.
Simplificando, os psicodélicos podem ser o lubrificante de que precisamos para girar as engrenagens de uma revolução da justiça social.
Mas então, o que os psicodélicos têm a ver com justiça? Simplificando, os psicodélicos podem ser o lubrificante de que precisamos para girar as engrenagens de uma revolução da justiça social. Não somos os primeiros a pensar que os psicodélicos têm potencial para inspirar ações revolucionárias. Em 1966, o Serviço de Saúde Pública dos EUA apresentou um relatório em resposta a um boato de que supostos ativistas psicodélicos despejariam LSD no abastecimento de água de uma grande cidade. Variações desse boato se espalharam pelos meios de comunicação na América do Norte e na Europa, o que desencadeou um debate sobre a possibilidade de um experimento de dosagem coletiva do LSD se capaz de acabar com a Guerra Fria, diminuir o ritmo frenético do capitalismo, trazer harmonia para comunidades em conflito ou amenizar ideias ideologicamente entranhadas. Em outras palavras, a promessa de uma dose coletiva de psicodélicos fazia parte de uma fantasia, onde tal ‘pegadinha’ poderia ajudar todos a serem mais tolerantes e respeitosos com as diferenças uns dos outros.
À medida que experimentamos o ressurgimento do interesse por psicodélicos, podemos novamente fantasiar sobre um futuro diferente. Quando Aldous Huxley e Humphry Osmond introduziram a palavra “psicodélico”, em 1957, eles também estavam fantasiando. Seus esforços lúdicos para criar uma palavra vieram de um desejo profundo de inspirar um processo, uma maneira de pensar – ou melhor ainda – uma maneira diferente de pensar.
Em alguns de seus rascunhos anteriores, os autores aprenderam os conceitos de phaneros (manifesto) e thumos (alma) para gerar conexões linguísticas com uma sensação de abertura, tornando-se evidente, movendo a mente, despertando a mente. No final das contas, eles decidiram pela “mente manifesta”, depois de concordarem que ela não era contaminada por outras associações. Sua contemplação sobre o termo foi deliberada. Huxley e Osmond procuraram evitar a medicalização excessiva da experiência, escolhendo uma palavra que convidasse à reflexão. Eles decidiram pôr um termo menos provável de ser descartado como parte de uma forma já estabelecida de organizar a informação, ou de privilegiar um sistema de conhecimento específico. Podemos discordar sobre até que ponto eles alcançaram essa livre associação, já que a palavra continua a inspirar amplas discussões sobre onde os psicodélicos se encaixam em nosso mundo – como remédios, commodities, plantas, ideias, espíritos e atitudes.
Podemos ser tentados a descartar os esforços desses dois falecidos homens brancos, cujas suas conexões sociais os situavam dentro de um grupo de pensadores de elite. Eles dificilmente se encaixam no perfil dos ativistas e aliados da justiça social no século 21. É verdade que alguns de seus escritos e ideias posteriores foram descartados e considerados como elitistas. No entanto, eu encorajo vocês a ouvirem não apenas seus sotaques eruditos, mas também, como eles investiram no pensamento psicodélico. Para esses primeiros defensores do pensamento psicodélico, essas drogas eram um meio para um fim: mudar a forma como pensamos.
O otimismo que eles nutriram em relação aos psicodélicos veio da ideia central de que essas drogas têm a capacidade de mudar a maneira como nos relacionamos uns com os outros, abrindo nossas mentes para ideias que, de outra forma, não poderíamos acessar.
O otimismo que eles nutriram em relação aos psicodélicos veio da ideia central de que essas drogas têm a capacidade de mudar a maneira como nos relacionamos uns com os outros, abrindo nossas mentes para ideias que, de outra forma, não poderíamos acessar. Claro, eles não descobriram essa sabedoria sozinhos. Eles apenas a articularam de uma maneira particular, trazendo um conjunto mais diversificado de tradições, modos de pensar e métodos de cura para as discussões convencionais.
Como pensadores ocidentais, eles ficaram hipnotizados com a forma como outros povos abordaram a medicina baseada em plantas, especialmente curandeiros indígenas nas Américas. Eles tentaram honrar as práticas indígenas, os ensinamentos sagrados e o conhecimento baseado em plantas, participando de cerimônias e ajudando a pressionar judicialmente o governo para proteger o acesso a medicamentos vegetais para os membros da Igreja Nativa Americana (Native American Church). Mas o legado deixado por ocidentais que buscam aprender com essas cerimônias está repleto de contradições, exploração e promessas quebradas. Apesar das tentativas de convencer o governo sobre o uso sagrado do peiote, os esforços legais falharam e os indígenas sofreram.
A aplicação terapêutica de psicodélicos tentou conter a onda de medicalização e secularização, chamando a atenção para as possibilidades de cura por meio de cerimônias tradicionais e da reflexão e escrutínio sobre o espírito, incentivando o exercício da escuta atenta das vozes outras que aquelas emanadas pelos corpos. Esses homens cultivam diálogos com uma rede de mulheres que trabalhavam como médiuns, líderes de igrejas nativas americanas e com pacientes esquizofrênicos. Essas interações ajudaram esses pensadores psicodélicos a ouvir perspectivas e ensinamentos que a ciência ocidental anteriormente descartava. Como escreveu Huxley, essas drogas apenas abriram as “portas da percepção”. Cabe a nós atravessar essas portas e não simplesmente nos maravilhar com sua existência.
Quando Karl Marx estava desenvolvendo suas teorias de justiça social, ele escreveu que a religião é como um opioide. No entanto, ele não estava se referindo a nenhum momento de manifestação mental associada ao uso de drogas. Em vez disso, ele descreveu uma reação química muito diferente, focada em entorpecer a dor e o trauma causado pela discriminação contra as classes trabalhadoras. Para Marx, a religião criava uma distração daquela dor que alimentava os clamores por justiça. Mas as drogas psicodélicas não são ópio para as massas – elas cumprem um papel muito diferente. Em vez de ser uma distração, os psicodélicos fornecem uma maneira de conectar a dor e a cura por meio do engajamento consciente. Eles são um meio para um fim, e não um fim em si mesmos. Os psicodélicos sozinhos não vão nos vacinar contra a pandemia de ‘ismos’.
O legado de conexões, ação coletiva e cura de psicodélicos tem uma história que se estende muito além da criação da palavra e do conceito. Como as autoras do livro Psychedelic Justice nos mostram, as cerimônias indígenas com plantas medicinais têm uma longa tradição de vincular as pessoas às plantas no confronto com a dor.
Podemos sentir dor em um nível individual, como quando tentamos superar um relacionamento tóxico com opiáceos. Como também podemos sentir dores coletivamente, como o desespero de muitos quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil. Suas políticas causaram estragos na floresta amazônica e nas comunidades indígenas, fazendo-nos sentir como se o relógio do progresso social e ambiental estivesse regredindo.
Às vezes, essa dor vem da injustiça, seja pelo sentimento de estar longe do lar, pela privação de direitos da comunidade, pela desordem do próprio corpo e mente ou pela desconexão em relação ao ambiente social. As contribuições presentes nesse livro nos apresentam a esses tópicos, destrinchando a história do sexismo, patriarcado, homofobia e pensamentos binários que causam danos — questões especialmente difundidas nos campos médico e jurídico. Também procuramos maneiras de repensar o trauma e o racismo.
Os psicodélicos alimentam esses tópicos com energia intelectual para visitar os lugares de trauma com mentes e corações abertos. Esses autores nos fornecem diretrizes construtivas para convidar respeitosamente as comunidades indígenas para dialogar, sem tokenismo; oferecem conselhos preventivos sobre os riscos e recompensas de trazer psicodélicos “para fora das sombras” e para o mercado; e nos ensinam como reconhecer o abuso sexual em ambientes íntimos de cura. De modo geral, os autores abraçam o espírito de que os psicodélicos são de fato um projeto fascinante; pensando sobre e como os psicodélicos permite maiores investimentos na mudança de nossas circunstâncias – tanto individuais, como coletivas.
Esta coletânea do Chacruna reúne autores que reconhecem o poder dos psicodélicos para mudar a forma como pensamos. Nós não precisamos apenas atualizar o navegador em nosso mecanismo de pesquisa. Precisamos também desconectar o computador e procurar diferentes fontes de informação, seja nas estrelas, plantas ou pessoas em nossas comunidades–– especialmente aquelas que são diferentes de nós.
Os defensores da justiça social nos pedem para pensar criticamente sobre as estruturas de poder em nosso mundo que perpetuam as desigualdades, e os psicodélicos nos oferecem um passaporte intelectual para visitar esses locais de injustiça, entender a violência perpetuada pela discriminação e gerar a coragem para mudar a história.
Os defensores da justiça social nos pedem para pensar criticamente sobre as estruturas de poder em nosso mundo que perpetuam as desigualdades, e os psicodélicos nos oferecem um passaporte intelectual para visitar esses locais de injustiça, entender a violência perpetuada pela discriminação e gerar a coragem para mudar a história. Cabe a todos e todas nós integrar as percepções que adquirimos por meio de nossas experiências com psicodélicos para criar um mundo mais justo, tolerante e solidário. As autoras desta coletânea nos oferecem muitas ferramentas para iniciar esse processo de integração.
Nota :
Este é o prefácio do livro Psychedelic Justice, co-editado por Bia Labate e Clancy Cavnar. O livro foi publicado em inglês pela editora Synergetic Press, no dia 14 de setembro de 2021.
O livro foi publicado em inglês no dia 14 de setembro pela editora Synergetic Press, para adquirir seu exemplar do Psychedelic clique aqui .